RESUMO
Inicialmente os
cuidados de enfermagem apresentam uma conotação moral. Os valores ético-morais
em enfermagem tornam-se relevantes, a partir do momento em que se inicia a
profissionalização em enfermagem.
A ética e a moral são
fundamentais na prática dos cuidados. A moral diz respeito aos deveres
profissionais, enquanto a ética fundamenta o agir. A ética em saúde visa
essencialmente a qualidade de cuidados prestados, em que todas as acções
desenvolvidas devem promover um bem ao utente família e comunidade.
INTRODUÇÃO
A enfermagem fundamenta
a sua prática num agir tendo em vista o melhor bem para o a pessoa cuidada,
respeitando os direitos humanos nas relações interpessoais que estabelece.
Identificar a prática
de cuidados/cuidar em enfermagem desde a origem da humanidade até aos nossos
dias revela-se importante, pois como nos refere Watson (2002, p.52) “o processo
de cuidar indivíduos, famílias e grupos, é um enfoque importante para a
enfermagem, não apenas devido às transações dinâmicas de humano-para-humano,
mas devido aos conhecimentos requeridos, empenhamento, valores humanos,
compromisso pessoal, social e moral do enfermeiro no tempo e no espaço”.
A moral diz respeito
aos deveres profissionais, incluídos normalmente num Código Deontológico. A
ética em saúde caracteriza-se essencialmente pela qualidade de cuidados
prestados no dia a dia, com o sentido de ajuda e de cuidado. A ética e os
princípios éticos terão de estar presentes em todos os cuidados prestados, com
um objectivo: respeitar a integridade (holística) de cada ser humano. Isto
torna-se ainda mais relevante porque o contacto pessoa a pessoa é inevitável.
Arroyo (1997, p.63) refere que a ética em enfermagem interessa “como uma
reflexão sobre os valores e normas que orientam uma actividade profissional”.
De forma exploratória
pretende-se fazer uma reflexão sobre a ética no cuidar em enfermagem.
MORAL, ÉTICA E CUIDADOS
DE ENFERMAGEM
Distinguir entre o
termo ética e moral torna-se uma tarefa difícil, no entanto urge fazer-se. A
palavra moral deriva do termo latim mos moris. A moral trata da obrigação, do
dever ser, sendo que o dever moral é do tipo deontológico. A ética provém do
termo grego “ethos”, o qual tinha duas grafias diferentes, “êthos” e “éthos”. O
primeiro designa o lugar de onde brotam os actos, a interioridade da pessoa, o
caracter; o segundo termo significava o hábito, referindo-se assim ao agir
habitual. (Isabel e Michel Renaud, 1996).
A ética e a moral em
enfermagem tem ao longo dos tempos assumido significados diferentes, a moral –
enquanto normas que regulam as relações entre os indivíduos, foi considerada da
maior importância na prática e formação das enfermeiras, e a ética enquanto
fundamentação do agir, tendo em conta os princípios para a acção. A enfermagem,
contudo, foi em tempos vista predominantemente como uma ocupação da mulher:
cuidados com o corpo, alimentação, ajuda no parto, cuidados à criança, ajuda
aos idosos e cuidados aos doentes. Traduzir-se-ia de alguma forma numa
obrigação moral da mulher no seio das famílias e comunidades (Collière,1999).
Este sentido de obrigação moral ou dever de serviço tem acompanhado a história
da enfermagem.
A partir da Idade média
e até ao século XIX, na medida em que a prestação desses cuidados foi, em
grande parte, assumido por mulheres consagradas á vida religiosa, a moral
passou a ser ditada por regras conventuais.
É a partir do século
XIX, com Nightingale, que se inicia a laicização da prática de cuidados e se
fala da enfermeira com uma conotação mais técnica. Nightingale, contudo, ao
defender em 1859, uma enfermagem profissional, empenhou-se em insistir no
comportamento ético como uma teoria ou ciência do comportamento moral das
enfermeiras (Smith & Davis, 1985, citado por Rouseia, 1998).
Cortina (1997, p.11)
refere que “a ética como reflexão filosófica, tem por objecto o fenómeno da
moralidade que, desde a antiguidade, faz indesmentivelmente parte da vida dos
homens”. Para o mesmo autor, segundo o quadro aristotélico do saber, “ o saber
ético é o que se refere aos fins e valores últimos das acções e não só às suas
virtualidades técnicas.
Parafraseando Pedrero,
(1998, p.22) “A ética de enfermagem estuda as razões dos comportamentos na
prática da profissão, os princípios que regulam essas condutas, as motivações,
os valores do exercício profissional, as alterações e as transformações através
do tempo”.
Torna-se importante
definir o conceito de profissão, e a mesma autora define-a como sendo uma
“actividade humana com um campo definido de acção, um regulamento e um código
de ética elaborado pelos seus membros, que se desenvolve depois de ter um
título, e a solidariedade entre os seus membros torna possível o
desenvolvimento pessoal e a responsabilidade dos serviços prestados”.
A partir de 1950,
surgem códigos para enfermeiras, da autoria de organizações de enfermagem,
nacionais e internacionais, que marcam o inicio de uma abordagem sistemática da
ética em enfermagem, quer na sua prática quer na sua formação. No entanto já em
1899, com a criação do conselho internacional de enfermeiras (ICN) inicia-se a
discussão de aspectos jurídicos e éticos (Garcês, Revuelta, Coronado, Asensio,
Tueler & Franco, 1985) e, em 1921, a «Canadian Nurse Association (CNA)
publica o seu primeiro código de ética de enfermagem» (Dunphy & Mercer,
1992, p.19; citado por Rouseia, 1998). Desde então muitos outros documentos
sobre o que deve ser o comportamento moral e ético das enfermeiras foram
entretanto publicados, a registar a publicação em 1948 da declaração dos
direitos humanos que fornece um enorme incremento às preocupações morais e
éticas no seio da enfermagem.
Outro passo importante
foi a criação do código deontológico do enfermeiro, este já bem mais recente em
1998, mas não menos importante, pois mais do que um documento normativo, situa
o vértice da excelência no relacionamento pessoa a pessoa. Este pressupõe e
exige a integração de todos os saberes e competências próprias da enfermagem
numa atenção pessoal e única a quem precisa de cuidados de saúde, o qual se
subdivide em quatro áreas temáticas: - Princípios e deveres gerais; - Deveres
com a comunidade; - Deveres com os clientes; - Deveres com o exercício
profissional.
A evolução nos diversos
códigos, sendo embora importante, não será suficiente para responder aos
desafio se complexidade de situações com que os enfermeiros se defrontam no seu
dia a dia de trabalho. Existem assim dilemas diários, relacionados com o cuidar
que exigem tomadas de decisão constantes e frequentemente difíceis, embora por
vezes não se dê conta que se trata de questões éticas.
Hesbeen, (2000, p. 69)
define cuidados de enfermagem como sendo “a atenção particular prestada por uma
enfermeira ou por um enfermeiro a uma pessoa ou aos seus familiares com vista a
ajudá-los na sua situação. Englobam tudo o que os profissionais fazem, dentro
das suas competências, para prestar cuidados às pessoas. Pela sua natureza,
permitem sempre fazer alguma coisa por alguém a fim de contribuir para o seu
bemestar, qualquer que seja o seu estado.”
Sendo a enfermagem uma
profissão que centra a sua actividade nas pessoas, deve “basear-se num discurso
ético que encaminha a sua actividade para a sociedade como um bem para a mesma.
(Surribas, 1995, p. 4) Em cada acto profissional, têm que se fazer escolhas,
tomar decisões tendo em conta sempre a pessoa a quem é dirigida a acção.
Surribas, (1995, p.4)
refere “que o discurso ético da(o) enfermeiro deve iniciar-se na própria
profissão, de forma consciente, metodológica, clara e objectiva”. Menciona
ainda que o estudo da ética pode ajudar a configurar a profissão de enfermagem
de uma forma mais humana, obrigando a reflectir sobre a realidade da prática
dos cuidados em situações específicas.
A prestação de cuidados
centra-se na relação entre o ser enfermo e o ser enfermagem, em que a
enfermeira contribui com os seus conhecimentos e experiência, e o doente com as
suas vivências, necessidades e recursos. Ambos são sujeitos activos no processo
de cuidar, como nos refere Collière (1999, p.155), “cuidar é ter em conta os
dois parceiros dos cuidados”.
Dito de outro modo, os
saberes complementam-se, com o objectivo de determinar e pôr em prática acções
que promovam um bem, em que estas devem ser extensivas e integrativas, não só
do utente, como também dos seus familiares. Embora esta seja a orientação ética
que melhor se enquadra na perspectiva do cuidar, nem sempre é assim, pois em
algumas situações o ser enfermagem adopta uma orientação claramente
paternalista, em que “a enfermeira é um sujeito activo que faz coisas sobre e
para o utente, e este é um sujeito passivo que recebe a ajuda que os
profissionais decidiram como sendo o melhor para ele”. (Surribas, 1995, p.5)
Nesta orientação, a acção de cuidar em enfermagem é autónoma em relação ao
utente, pois este aceita os cuidados que na perspectiva do enfermeiro são os
melhores, os que mais se adequam à situação e que supostamente são um benefício
para a pessoa cuidada.
O cuidar na perspectiva
de Hesbeen (2000), deve ser entendida como uma orientação de natureza
filosófica, e que os profissionais de saúde deveriam enquadrar cada vez mais as
suas acções e as suas reflexões nesta perspectiva. Assim o cuidar deve ser
entendido como um valor.
A mesma autora, aponta
três razões:
Porque se verifica que
o ser humano enquanto sujeito singular, único, é colocado num plano secundário;
“porque um valor pode
ser acessível a toda a gente”;
“o conceito de cuidar é
aberto [...]” Quer isto dizer que a abertura ao conhecimento é essencial a
prestação de cuidados de qualidade.
Também Jean Watson
(2002, p. 59) reafirma o cuidar enquanto valor, dizendo que “A identificação e
reconhecimento do valor do cuidar vem em primeiro lugar e pressupõe o
verdadeiro cuidar”. O cuidar é tido em conta como um “ideal moral”, na medida
em que “envolve uma filosofia de compromisso moral direccionado para a
protecção da dignidade humana e preservação da humanidade.”
Concluindo, a profissão
de enfermagem fundamenta a sua prática em torno de um bem fazer, de um bem
estar e de um bem ser. Quer isto dizer que quer o cariz cientifico, quer o
cariz ético da profissão se centra em encontrar a melhor forma de desenvolver a
sua actividade.
CONCLUSÃO
A prestação de cuidados
em enfermagem é um processo complexo e que requer a articulação com várias
áreas do saber. Da origem até a actualidade foi possível perceber a importância
da enfermagem no processo de saúde e doença, bem como, do percurso ético-moral
da profissão de enfermagem. Quando se trabalha com seres humanos, cada um
único, irrepetível, com diferentes formas de agir, é necessário a construção,
formação, clarificação e desenvolvimento de códigos éticos e deontológicos
facilitadores da promoção da saúde e prevenção da doença, pois assim
permite-nos agir capazmente.
É consensual para
vários autores (Arroyo, 1997, Collière,1999, Hesbeen, 2000, Watson, 2002) que a
natureza dos cuidados de enfermagem tem algo que é constante ao longo do tempo,
que firma a sua natureza, e que constitui um valor para os mesmos – CUIDAR.
Concluímos com uma
referência de Queirós (2002): “Ao considerarmos que o cuidar implica uma
responsabilidade ética especial estamos a realçar o intrínseco valor da pessoa
e a reforçar a necessidade de uma consciencialização acrescida da integração do
pensamento ético na prática profissional quotidiana e na análise das questões
inerentes aos chamados dilemas éticos especiais.”
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