TRABALHO ELABORADO POR FLUSIL MOMENT
Introdução
Ninguém escapa da educação, pois ela está
em todo lugar: em casa, na rua, no trabalho, na Igreja, na escola, etc. Ela é
puramente prática e desprovida de reflexão, se enquadrando em uma determinada
cultura e funcionando a partir dos costumes e valores, que são passados pela
tradição e gerando sociabilidade. O que existe são exigências de tipos
concretos de pessoas “na” e “para” a sociedade. Modos próprios de educar,
necessários à vida e à reprodução da ordem de cada tipo de sociedade, em cada
momento da sua história que, por meio da inculcação de tipos de saber, reproduz
tipos de sujeitos sociais. ¹
A pedagogia é a teoria que gera as regras
da educação, sendo justificada, no século XX, pelas reflexões vindas das
ciências da educação. São destes instrumentos, o papel de teorizar a educação,
de pensar ², não sendo diferente quando se trata das pedagogias que educam pelo
movimento, logo, o pensamento pedagógico da Educação Física.
Na pedagogia é visada a educação
intencional, já que indicam fins desejáveis ao processo de formação, o que
implica objetivos sociopolíticos do educador, além de suas escolhas, seus
valores, seus compromissos éticos, sua concepção de homem e de mundo, a partir
dos quais se definem formas metodológicas e organizativas de transmissão de
saberes e modos de ação. ³ No entanto, quando
buscamos compreender a realidade da prática educativa de hoje, encontramos
diversas pedagogias instauradas, um amálgama de ideologias representadas em
tendências pedagógicas 4, diversas metodologias, diversas formas de fazer educação. Assim, nos
perguntamos: Como se construiu o pensamento pedagógico da Educação e Educação
Física actual? O que estes defendem? Eles se relacionam? Há influência de um
sobre o outro? Essas perguntas são fundamentais para escolher qual pensamento
pedagógico seguir e, posteriormente, traçar uma especificidade para Educação
Física escolar, já que é preciso conhecer qual é o papel da escola para
traçarmos a função dessa disciplina dentro dela. Assim, é necessário compreender
o contexto histórico da criação destes pensamentos, seus interesses e suas
idéias para que o professor seja crítico nas aulas de Educação Física e dentro
da escola de uma maneira geral, que ele se Identifique ideologicamente e se
posicione coerentemente em sua actuação profissional.
Sendo assim, este trabalho tem como
objetivo analisar a história do pensamento pedagógico da Educação e Educação
Física brasileira ao longo do século XX.
2. Metodologia
Para o presente estudo foi realizada uma
seleção de trabalhos utilizando os mecanismos de busca avançada que permitem a
combinação de termos e delimitação do assunto proposto nos vários indexadores
de produção científica. Utilizando essa estratégia de busca como forma de
coleta de dados, foram direcionados os seguintes termos descritivos para a
pesquisa: História, Educação, Educação Física, Pedagogia e as possíveis
combinações destes termos. Logo acrescentamos palavras-chave de cada época
estudada como: Primeira República, Estado Novo, Era Vargas, Escola Nova,
Tecnicismo, Militarismo e Pedagogias críticas. Assim, unimos duas linhas de
pesquisa diferentes, conectando-as cronologicamente (História da Educação e
História da Educação Física) e abordando o pensamento pedagógico das duas
vertentes.
Como critérios de inclusão, foram
atribuídos artigos publicados em revistas de classificação (CAPES) igual ou
superior a B2, promovendo com isso, maior veracidade aos fatos do conteúdo
abordado. Foram citados também trabalhos de livros, dissertações e teses, tendo
em vista a influência do autor na área (Consideramos como autor influente,
aquele que publicou acima de três artigos com classificação igual ou superior a
B2, entre os anos de 1999 a 2010). Assim, utilizamos 32 referências,
representando 4 de classificação A2, 2 de classificação B1, 10 de classificação
B2, 2 artigos em Anais, 3 capítulos de livro, 8 de livros e 3
Teses/Dissertações. Sendo que, incluídos na pesquisa somente artigos, livros,
dissertações e teses que estavam compreendidos entre anos de 1999 a 2010.
3. Predomínio da pedagogia tradicional e introdução a gymnastica: final
dos oitocentos até 1930
A evolução das idéias pedagógicas na
Primeira República pode ser representada pela junção dos movimentos ideológicos
de “entusiasmo pela educação” e o “otimismo pedagógico”. O primeiro, de caráter
quantitativo, em que se pretendia a expansão da rede escolar para a tarefa de
desanalfabetização. O segundo, insistindo na otimização do ensino, ou seja, na
melhoria das condições didácticas pedagógicas da rede escolar. Tendo em vista a
modernização do país, o “entusiasmo na educação” se iniciou pela transição do
Império para a República, por volta de 1887, devido às profundas transformações
na sociedade brasileira 5, sendo uma dessas principais
transformações, a transição de um modelo rural-agrícola a um modelo
urbano-comercial. 6 Neste cenário
iniciaram-se as reformas escolares, primeiramente em São Paulo e depois em todo
país, inspirando-se em países como Alemanha, Suíça e Estados Unidos e
considerando que era necessário estudar a maneira de ensinar desses países para
adaptar seus métodos à realidade brasileira. 7
Os ideais semeados pela República eram
carregados de positivismo e laicismo, sendo representados, inclusive, na
arquitetura das escolas (os próprios espaços educativos eram criados sob os
símbolos de predomínio da Ciência em relação à fé, da organização racional do
espaço físico e social, da vitória da ordem e do progresso sobre as forças
caóticas, do poder e do otimismo trazidos nos novos tempos de modernização com
a república). 8,9 Os valores de civismo e moralismo patriótico eram
os que carregavam maior destaque. 10
As ideias do alemão Friedrich Herbart
foram originárias da concepção mais tarde nomeada como Tradicional. O
pensamento Herbatiano introduziu a tendência de “psicologizar a educação” com o
intuito de transformá-la em Ciência, traçando graus de desenvolvimento do
caráter do indivíduo. A escola era concebida como um ambiente de preparação
para a vida, um local onde os alunos receberiam a “educação intelectual e
preparo moral”. Preocupava-se com a memorização de grandes obras literárias,
científicas e artísticas para quando adulto, o aluno recorresse a elas para
guiar a sua vida. Essa concepção centrava o ensino no professor acoplando o
culto ao rigor e à disciplina, sendo que através do método expositivo, o
professor lecionava os conteúdos. 4
Mesmo não conseguindo hegemonia, a
pedagogia Racional Libertária marcou presença sendo impulsionada pela imigração
italiana e recebendo contribuições de intelectuais brasileiros, imigrantes
espanhóis e portugueses. Era oriunda de projetos dos movimentos sociais
populares ligados à linha anarquista e pretendia a mudança de consciência,
buscando acções que pudessem discutir valores tradicionais da sociedade para
promover a transformação da mesma. 11 Contudo, todas as pedagogias
que se organizaram na república tiveram de enfrentar ou assimilar a herança
deixada pela pedagogia jesuítica no país, cujas linhas pedagógicas eram
dirigidas pelos princípios gerais do Ratio studiorum. 5
A Educação Física por sua vez, foi
entendida como um elemento de extrema importância para forjar indivíduos fortes
e saudáveis, indispensáveis para o desenvolvimento do país. Essa visão foi
construída pelos militares e médicos, os quais desempenhavam o papel de
construtores de um novo modelo de família brasileira, calcado por ideais de
higienização. O corpo deveria ser sadio e limpo, o espaço deveria ser arejado,
enfim, estas constituíam as novas leis morais essenciais à família brasileira.
Também propagavam a ideia de eugenia de raça, em que mulheres fortes geravam
filhos fortes e capazes de defender a pátria. Tudo isso serviu de base para o
discurso que introduziu a ginástica na escola. 6,9
Em Minas Gerais, na ultima década do
século XIX, a ginástica foi introduzida na formação dos professores sob o
primado da correção e “endireitamento dos corpos”. Pretendia-se com isso
atingir os professores, os quais levariam à prática da Gymnastica as
escolas. Criou-se um Compendio Pratico de Gymnastica, que continha exercícios
de base anato-fisiológica, porém, foi afastada por
um longo período de tempo, retornando na formação do professorado apenas no ano
de 1910. 12 Nesse momento, o “entusiasmo pela educação” começava a
atingir seu auge, movido pelo nacionalismo gerado na Primeira Guerra Mundial e
pelo grande número de analfabetos no país, 5 sendo o programa de
“Gymnastica” ampliado com a inclusão de outras práticas como jogos, esportes e
danças. 13 Em 1928, na reforma do
ensino normal passa a ser chamada de “Educação Physica” e fortalece o programa
de escolarização de jogos, abrindo possibilidades para inserção de esportes
como o vôlei, handebol, basquetebol, além das danças. Assim, se no início de
sua implantação a Gymnastica estava limitada aos exercícios de corpo
livre, cerca de trinta e cinco anos depois o programa já estabelecia práticas
corporais diversas, como exercícios de ginástica, danças, jogos, entre outros,
com a escolarização gradativa de esportes, porém, ainda calcada na ideologia
que fora base de sua inclusão nas escolas. 12
4. Equilíbrio entre a
Pedagogia Tradicional e Nova / militarização da Educação Física e corpo
produtivo (1930-1945)
Nos anos 20, devido à dificuldade
enfrentada pela Inglaterra após a Primeira Guerra Mundial, o Brasil diversifica
suas relações comerciais e financeiras intensificando seu relacionamento com os
EUA. Acoplado a esse relacionamento, vieram as transformações culturais por
meio de filmes, imprensa, literatura, etc., chegando ao campo pedagógico com as
idéias de John Dewey, o qual influenciou o movimento que, mais tarde seria
denominado de Escola Nova. 14 O ideário escolanovista deu
sustentação ao que chamamos de “otimismo pedagógico”, que centrava suas
preocupações na reorganização interna das escolas e no redirecionamento dos
padrões didáticos e pedagógicos.
Com a revolução de 1930 no Brasil, Vargas
assume o poder e promove uma reforma educacional, porém, educadores mais
atuantes não a consideraram eficiente e lançaram um documento intitulado de Manifesto
dos Pioneiros da Educação Nova. A revolução de 30 deixou o clima ideal para
o lançamento deste, o qual trazia uma concepção de educação natural e integral
do indivíduo, acima de classes, o direito de todos, a igualdade para os dois
sexos e colocava a educação no topo da hierarquia dos problemas nacionais. 14 Assim, a pedagogia nova sugeria que a escola deveria imitar a vida: ser
viva, alegre e cheia de desafios e estímulos característicos da vida real.
Preocupava-se prioritariamente com a maneira que os alunos aprenderiam os
conteúdos, acreditando que o verdadeiro conteúdo escolar seria o “aprender a
aprender”. Para isso, utilizariam a “dinâmica”, o “debate” e a “pesquisa” como
métodos educativos e colocariam o aluno como centro do processo educativo. 4
Com a divulgação das do Manifesto, um
grupo de educadores católicos retirou-se ainda nas primeiras redações deste
documento, já que discordavam que a educação fosse prioridade do Estado, que o
ensino fosse leigo, entre outras ideias presentes no mesmo. Esse debate se
aprofundou, levando os católicos, e a própria Igreja, a defenderem a pedagogia
tradicional de vertente religiosa (pedagogia católica) e educadores liberais
seguir e difundir as linhas da pedagogia nova. 15 A primeira constituiu a manifestação mais vigorosa da
pedagogia tradicional no Brasil. Defendia o primado da família e da Igreja
sobre o Estado, entendendo que somente a Igreja teria condições de educar.
Denominava-se uma pedagogia integral por unir o âmbito natural ao sobrenatural
e desenvolver o caráter físico, intelectual e religioso do aluno, o qual seria
submetido a uma “filosofia verdadeiramente católica de vida”. 15 As
ponderações levantadas pelos católicos traziam aproximações com o a “trindade
governamental” composta por Francisco Campos (um dos mais importantes ideólogos
da Direita brasileira), Gustavo Capanema e Getúlio Vargas. Estes
compartilhavam, dentre muitos outros pontos de vista, a condução da sociedade
por uma elite moralizante, o emprego do conservadorismo e a defesa da ordem
junto à segurança.15 Os ideais deles se cruzaram devido às
necessidades de uma política interna no país, à transição de uma sociedade
agro-exportadora para uma sociedade urbano-industrial e à crise internacional
gerada a partir da grande depressão de 29. 16 Com estes pressupostos foram realizadas as reformas de Francisco Campos e
Gustavo Capanema, qual, criou as Leis Orgânicas de Ensino, pretendendo
direcionar a formação educacional da classe trabalhadora ao ensino
profissionalizante industrial, comercial e agrícola. As correntes
contra-hegemônicas, oriundas do movimento operário, haviam perdido bastante
força, o que fez com que esse período fosse marcado pelo equilíbrio constante
entre o movimento renovador e o movimento dos educadores católicos. 15
Na Educação Física houve um incremento de
sua função: atenderia naquele momento a segurança nacional, contra perigos
internos e externos relacionados ao contexto internacional de um possível
conflito bélico, e a economia, assegurando uma mão de obra fisicamente
adestrada para o processo de industrialização. Sustentaria a ideologia do
cidadão-soldado, difundindo princípios de ordem, disciplina e nacionalização. 6
Os princípios eugênicos também continuavam
a propagar a “Bella doutrina do aperfeiçoamento physio-psychico da espécie
humana”, sugerindo o aprimoramento das qualidades e a redução das imperfeições
humanas, o que promovia parâmetros de ordem física e mental. O corpo foi
exposto a uma forma de dualidade entre o que seria bom e mau, transferindo a
ele, traços políticos do projeto idealizado para o organismo social. 17
5. Predominância da
Pedagogia Nova e Educação Física desportiva generalizada (1945-1964)
A sociedade brasileira sofria nessa época,
fortes impactos em suas estruturas políticas, econômicas e administrativas,
gerando novas atitudes sustentadas no ideário nacional-desenvolvimentista e
ações de planejamento governamental. A educação era considerada como ponto de
partida para o desenvolvimento social. 18 Nessa época, a pensadora
francesa Lubienska, encaixou perfeitamente com os ideais católicos, pois
mantinha preocupações explicitamente religiosas e, ao mesmo tempo, se inseria
no movimento europeu de Escola Nova, surgindo assim uma espécie de “escola nova
católica”. 15 A pedagogia
escolanovista se tornara hegemônica neste período e a maioria da comissão que
elaboraria o projeto da LDB da Educação Nacional, era formado, por pensadores
liberais. Contudo, no final da década de 1950,
intensifica-se o processo de mobilização popular, sendo o movimento Paulo
Freire um dos mais significativos, inspirando-se no personalismo cristão e na
fenomenologia existencial. 18 Porém, o ideal filosófico desse
movimento apenas expressava outra linha da concepção humanista moderna de
filosofia, o que acabou gerando uma espécie de “pedagogia nova popular”.
Posteriormente, difundiu-se como uma “opção preferencial pelos pobres”, desenvolvendo
uma intensa experimentação educativa de predominância renovadora. 15
No final da década de 1960, assinala-se um
esgotamento do modelo renovador, que se evidencia com o encerramento das
experiências relacionadas a essa vertente e também com o fechamento do Centro
Brasileiro de Pesquisas Educacionais e os centros regionais a ele ligados.
Articula, assim, uma tendência tecnicista, de base produtivista, que se tornará
dominante na década seguinte, assumindo a orientação dos militares e
tecnocratas. 15
Retornando o olhar para Educação Física,
pode-se dizer que a partir de 1945, a prática esportiva se tornou conteúdo
hegemônico nas escolas de primeiro e segundo graus, cujo método objetivava a
iniciação dos alunos em diferentes esportes. A pedagogia da Educação Física
incorporou, não mudando seus princípios fundamentais, a “nova” técnica corporal
chamada de esporte. 19 Foram agregados novos sentidos e
significados, em virtudes dos objetivos políticos, principalmente: o papel da
Educação Física, por exemplo, foi de preparação das novas gerações para
representar o país no campo esportivo internacional. 20
6. Ditadura militar
(1964-1984)
A articulação entre os empresários e os
militares desencadeou o golpe militar de 1964 promovendo a desnacionalização da
economia que, por sua vez, desencadeou o ajuste do sistema de ensino, baseado
agora na “teoria do capital humano”, que colocou a educação como bem de
produção e como algo decisivo do ponto de vista do desenvolvimento econômico do
país. Essa tendência educacional vigora até os dias atuais, sendo denominada de
concepção produtivista da educação. 15,21
Também conhecida como Pedagogia
Tecnicista, a concepção produtivista da educação entende a escola como uma
organização capaz de produzir elementos adaptáveis ao mercado de trabalho,
empenhando-se para fornecer o indivíduo correto para o local correto no sistema
capitalista. Sendo assim, ela não esta interessada na discussão dos modelos nem
na aprendizagem do processo de apreensão, mas sim na possibilidade de fornecer ao
aluno informações objetivas e rápidas para o bom desempenho no trabalho, em
testes ou exames, colocando o material didático como centro do processo
educativo. 4
Este foi um período em que se fez apologia
à técnica e à ciência em nome de um desenvolvimento tido como “indiscutível”. A
“modernização” havia chegado para ficar. Assim, a Educação Física era pensada
com uma perspectiva de controle social, assumindo, pesquisadores e professores,
um tom de moralismo absoluto que invadia o campo da formação moral do
indivíduo. O esporte foi a coroação de um mundo de competição, concorrência,
liberdade, vitória e consagração, instaurando-se assim, o movimento de esportivização
das aulas de Educação Física, as quais carregavam consigo a ideologia de
lutadores e vencedores. Por outro lado, a influência humanista não deixara de
aparecer, apresentando debates sobre o tempo livre, o lazer, a formação
integral da criança, a formação moral de um mundo em crise com a técnica e a
ciência. A Educação Física sofria por um sincretismo entre controle e
liberdade, “humanismo” e “tecnicismo”. 22
Da mesma maneira, a tentativa de esportivização
da sociedade era feita pela propaganda. Circulavam exemplares da revista Dedinho
que colocava a prática esportiva como sinônimo de saúde, ordem social e
progresso, devendo ser incentivada em todos os espaços possíveis. A prática
esportiva também deveria ter múltiplas funções, como a melhoria da condição
física da população, a preparação dos alunos para o cumprimento do serviço
militar, minimizar os efeitos maléficos da vida moderna e aumentar o número de
atletas. 23 Assim, por mais de 50
anos, o esporte competitivo, a cientificidade biomédica e a disciplina militar
constituíram a formação dos professores de Educação Física. 19
7. Pedagogias críticas:
dos anos 80 para a atualidade
Na década de 1970, houve movimentos
sociais que contestavam a distribuição de renda, reivindicavam o direito de
todos na participação das riquezas produzidas e questionavam a disciplina
reinante nas empresas. 24 No setor educacional, sob influência da
teoria crítico-reprodutivista, tentou-se empreender crítica à concepção
produtivista da educação, evidenciando a subordinação da mesma ao
desenvolvimento econômico, o que a tornava funcional ao sistema capitalista e a
serviço do interesse das classes dominantes. Apontava-se a escola como um
aparelho ideológico do Estado e responsável por perpetuar as relações de
exploração. 15
Já na década de 1980, com a lenta e
complexa abertura do regime de ditadura militar, as críticas à educação se
intensificaram. 15 O discurso pedagógico se deu de forma plural,
contrapondo o pessimismo reprodutivista com o espírito de esperança na vitória
sobre a injustiça social. 25 Para superação da ingenuidade das
pedagogias Tradicional, Nova e tecnicista que tentavam resolver o problema da
marginalidade através da escola pela reprodução dos ideais burgueses, surge uma
onda contra-hegemônica estabelecida pelas pedagogias Libertadora, Libertária e
Crítico-Social dos Conteúdos, exercendo influência no campo acadêmico até os
dias atuais. 26 A primeira (influenciada pelo movimento Paulo Freire) e a segunda
(influenciada pelo movimento anarquista) possuem uma visão negativa do papel da
escola historicamente existente, optando por educar em círculos de cultura e
grupos de conscientização do que na própria instituição escolar formal. A
pedagogia Libertadora acredita que os conteúdos devem ser relativos à prática
cotidiana dos alunos e que a educação deve ser feita “do povo e pelo povo, para
o povo e com o povo”, valorizando sempre o diálogo. Já a pedagogia Libertária,
dá importância aos conteúdos racionais científicos e se preocupa mais com a
forma de apreensão dos conteúdos do que com os mesmos propriamente, abolindo
todo o sistema punitivo de notas, exames e frequência. Ambas as pedagogias
possuem uma relação de “horizontalidade” entre o professor e o aluno, de forma
a diminuir a relação “dominador-dominado”. 4
A pedagogia Crítico-Social dos Conteúdos,
enxerga estes, como única fonte de contato das massas com o saber cientifico,
combatendo a dominação e levando à busca da verdade histórica. 4,26 Optam por temas “vivos” e “concretos”, que se relacionam com os problemas
dos homens e os conflitos sociais. Além do mais, acredita que a escola precisa
estar em consonância com as necessidades do mercado sem reduzir sua função de
formadora de cidadãos críticos e aptos a lidar com todas as situações que
possam surgir em sua vida.
Pelo exposto, pode-se dizer que as
pedagogias consideradas não-dominantes, tentam provar que não existe a
propalada “neutralidade pedagógica”, sendo que toda teoria educacional está a
serviço de uma classe. Estas teorias pretendem a transformação social. 4
A Educação Física, devido ao incentivo à
pesquisa promovido pelo início dos cursos de pós-graduação na década de 70,
aproximou diretamente das ideias pedagógicas não-hegemônicas e as incorporou.
Assim, os professores que se formaram nessa época passaram a rejeitar a
influência do modelo biomédico, a hegemonia do esporte de competição e a docilização
dos corpos, cabendo a escola, ensinar a multiplicidade de elementos da cultura
corporal de movimentos. 19
Houve críticas ao paradigma da aptidão
física e esportiva que surgiram pela análise da função social da educação
física escolar, considerando-a como elemento constituinte da sociedade
capitalista e sendo responsável pela perpetuação da dominação e das diferenças
injustas de classe. 20 O Jargão “Educação Física e Saúde” usado já na Primeira República para
afirmar, com bases higiênicas, a Educação Física dentro da escola, também foi
alvo de críticas, já que alimentava um mercado de medicamentos, bebidas “diet”,
comercialização de massagens, cirurgias plásticas e diversos pacotes de
turismo. Manipulava “promoção da saúde” por meio de um padrão de beleza e
estética que se confundia com a boa forma. Consequentemente boa saúde. 19
Nesse contexto, foram estruturadas as
concepções pedagógicas da Educação Física que se abarcaram nos anos 90 e
vigoram até os dias atuais. Em consonância com a Pedagogia Crítico-Social dos
Conteúdos, surge a Pedagogia Crítico-Superadora, defendendo que o objeto dessa
disciplina escolar é a cultura corporal, devendo ser tratada de forma
histórica, evidenciando os movimentos contraditórios. Enfoca também a reflexão
sobre o significado/sentido do “fazer corporal”. 20,27
A pedagogia Libertadora exerceu influencia
sobre a pedagogia Crítico-Emancipatória. Esta concepção acredita que o
movimentar-se humano seja uma forma de comunicação, entendendo o sujeito como
capaz de atuação crítica e autônoma sobre o mundo. Também aponta como proposta
metodológica a tematização de elementos da cultura do movimento. 27 Essas duas propostas, consideram o esporte de auto-rendimento um agente
reprodutor da sociedade capitalista, sugerindo procedimentos
didático-metodológicos que possibilitem esclarecimento crítico a este respeito.
20
Na Educação Física, também surgiram concepções pedagógicas que não se vincularam a teoria
crítica da educação. A abordagem desenvolvimentista não se coloca como
solucionadora dos problemas sociais do país, mas tenta dar especificidade à
área através da habilidade motora. Pretende dar oportunidades de experiência do
movimento adequadas a cada nível de crescimento e desenvolvimento, de modo a
garantir o desenvolvimento “normal” do indivíduo e, com isso, estipula padrões
corretos de se movimentar. Outra abordagem não-crítica é a Psicomotricidade,
que possui grande influência da Psicologia, considerando como tarefa da
Educação Física o desenvolvimento integral da criança. Correlaciona processos
cognitivos, afetivos e psicomotores, considerando que, a ação educativa ocorre
através de movimentos espontâneos que favoreçam a gênese da imagem corporal,
núcleo central da personalidade. 20,27
O movimento de atualização ou renovação do
paradigma da aptidão física também não pode ser deixado de lado. Os avanços do
conhecimento biológico acerca das repercussões da atividade física sobre a
saúde dos indivíduos e as novas condições urbanas de vida que tendem ao
sedentarismo, revitalizam a ideia de promoção da saúde desenvolvida pela
abordagem de saúde renovada. Essa vertente ganha força nos anos 90 pela busca
de um consenso com a concepção biológica que superasse os modelos higiênicos e
eugênicos presentes em toda história. 20,27
Através da rica pluralidade do pensamento
pedagógico iniciado nos anos 80, desenvolve-se outras abordagens na Educação
Física neste final de século. Pode-se citar a abordagem
Construtivista-Interacionista, com base na Psicomotricidade; a Abordagem
Cultural, carregando o conceito de alteridade vindo da Antropologia; a
Abordagem Sistêmica, com grande influência de estudos filosóficos e
sociológicos, a Abordagem dos Jogos Cooperativos, contrapondo competição versus
cooperação e, finalmente, o ecletismo desenvolvido pela abordagem dos
Parâmetros Curriculares Nacionais. Essa última, incluindo a dimensão crítica,
os benefícios à saúde e os processos de aprendizagem, articula o aprender a
fazer, saber por que se está fazendo e o como se relacionar nesse fazer. 27
8. Conclusão
O processo de construção do pensamento
pedagógico actual sofreu grande influência e contribuição das pedagogias
críticas nos anos 80. Porém, tanto a Educação Física quanto a Educação trazem
fortes traços construídos em sua história desde o início do século XX. O perfil
desta última ainda sofre repercussões de sua herança biologizada e
esportivizada. 27 Segundo a investigação de dissertações e teses
publicadas na área, pesquisas empírico-analíticas (preceitos das Ciências
Naturais) representaram, na década de 90, o predomínio (56,5%) das pesquisas na
área da Educação Física. 28 Na Educação ainda vigora a concepção
produtivista, sendo entendida como investimento no capital humano individual
que habilita o indivíduo à competição pelos empregos disponíveis. Porém não
garante condições de empregabilidade do mesmo já que, no atual desenvolvimento
capitalista, não há emprego para todos. A concepção produtivista é revitalizada
pelos prefixos “neo” e “pós”, dando origem à expressões como neoconstrutivismo,
neo-escolanovismo, neotecnicismo, pós-construtivismo e expressões como
“pedagogia da qualidade total”, “pedagogia das competências” dentre outras. 15
No entanto, dados analisados sobre pesquisa na área de Educação Física sugerem
uma gradativa incorporação dos discursos de cunho social, filosófico e
pedagógico, 28 fazendo com que a
Educação Física saia da “zona de conforto”, em busca de sua identidade como
disciplina e de sua auto-afirmação na escola. 29,30 Assim,
consideramos fundamental para qualquer educador, independentemente da
disciplina que este ministra na instituição escolar, fazer uma reflexão sobre
qual é o interesse da mesma, domesticar as classes populares, transformando o
ambiente escolar num grande laboratório civilizador? Tirar os jovens pobres da
delinquência, instrumentalizando-os para o mercado de trabalho? Docilizar
corpos e garantir a manutenção do sistema social e econômico? Educar a partir
de qual concepção? Quais valores devem ser reafirmados? Em que sociedade?
Somente com essas e outras perguntas o ato de educar se torna mais crítico,
consciente e intencional.,31,32
Incorporando o discurso das pedagogias
críticas, acreditamos na ideia de que a escola, ao mesmo tempo que reproduz as
estruturas de dominação existentes na sociedade, constitui-se em um espaço onde
se pode lutar pelas transformações sociais. Apontamos a necessidade de a
educação e a Educação Física Escolar não se tornarem laboratórios civilizadores
com objetivos de gerar homens gregários, movidos pelo instinto de rebanho e
alimentados pelo interesse do Estado, comércio e ciência. É necessário formar
homens que desenvolvam a cultura, assim como também é necessário não permitir
que a escola seja apenas veículo transmissor, mas um espaço de crítica aos
valores herdados e àqueles que estão sendo propostos, com isso, será possível a
reflexão crítica da sociedade e da cultura. 29,32
Referências
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