À MEDIAÇÃO E ARBITRAGEM






INSTITUTO SUPERIOR DE ANGOLA
(ISA)
DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E HUMANAS
LICENCIATURA EM DIREITO








TEMA:

À MEDIAÇÃO E ARBITRAGEM








Estudante: Apolinário Hituiso
Curso: Direito
5º Ano
Período: Tarde
Sala: 18


Docente

____________________
Dr. Nelson dos Santos













Cacuaco-2018






INSTITUTO SUPERIOR DE ANGOLA

(ISA)











TEMA:

À MEDIAÇÃO E ARBITRAGEM





















 Cacuaco-2018







ÍNDICE






















A arbitragem consiste numa forma alternativa de resolver diferendos sem recurso aos meios jurisdicionais tradicionalmente disponíveis, ie, aos tribunais judiciais. As partes desavindas concordam em que o diferendo seja solucionado por um ou mais árbitros por elas indicados que, encabeçando um tribunal arbitral, proferem uma decisão final de carácter vinculativo para as partes, cuja força executiva é a mesma das decisões dos tribunais judiciais. A função jurisdicional do tribunal arbitral está bem patente no art. 33º da Lei da Arbitragem Voluntária 4 (doravante “LAV”), que estatui que a sentença arbitral produz entre as partes os efeitos de caso julgado e tem força executiva. A arbitragem apresenta-se como um instituto de direito processual, que se diferencia dos procedimentos judiciais tradicionalmente mais estudados e de utilização mais corrente entre nós. MARIA ROBLERO5 aponta cinco características diferenciadoras da arbitragem face aos procedimentos judiciais, que evidenciam o conceito e o alcance deste instituto. Em primeiro lugar, a arbitragem tem carácter de justiça consensual, na medida em que são as partes que acordam (no âmbito da sua autonomia privada) em submeter a resolução dos seus diferendos a um terceiro. Em segundo lugar, realça o facto da arbitragem ser um método de hetero-resolução de controvérsias, uma vez que se devolve a um terceiro imparcial (o árbitro) a resolução do diferendo, não sendo as partes que, por si próprias, encontram essa solução.














A mediação é de origem antiga. Mediar significa literalmente dividir ao meio, advém do latim mediare. Como já fora dito, a mediação é uma forma de autocomposição, pois uma ou ambas as partes devem abrir mão de parcela ou da totalidade de seu interesse a fim de solucionar o litígio, que deve ser conduzido por um terceiro que detenha neutralidade em relação aos demandantes.

Salienta-se que esse terceiro não decide, nem impõe decisão alguma, mas ajuda as pessoas envolvidas na querela a chegarem a um ponto comum, em que seja possível a solução da controvérsia sem necessidade de acionamento do Estado-Juiz.

Nesse mesmo sentido, Rodrigues Júnior aduz o que se segue:

A mediação é um processo informal de resolução de conflitos, em que um terceiro, imparcial e neutro, sem o poder de decisão, assiste às partes, para que a comunicação seja estabelecida e os interesses preservados, visando ao estabelecimento de um acordo. Na verdade, na mediação, as partes são guiadas por um terceiro (mediador) que não influenciará no resultado final. O mediador, sem decidir ou influenciar na decisão das partes, ajuda nas questões essenciais que devem ser resolvidas durante o processo. (RODRIGUES JÚNIOR, 2007, p. 50).

O autor Juan Carlos Vezzulla a define como:

Técnica de resolução de conflitos não adversarial, que, sem imposições de sentenças ou de laudos e com um profissional devidamente formado, auxilia as partes a acharem seus verdadeiros interesses e a preservá-los num acordo criativo em que as duas partes ganhem. (VEZZULLA, 1998, p. 16).

Decerto, pelos ensinamentos acostados, verifica-se que a mediação não tem forma rígida, é um procedimento informal. Outrossim, as partes envolvidas na sessão de mediação devem ser capazes, nos termos do Código Civil vigente, sendo que os interesses em jogo devem ser os chamados interesses disponíveis.

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Superada a questão da proximidade entre a arbitragem e arbitramento, resta-nos tentar conceituar a arbitragem. A Lei nº. 9.307/96 não define o que é arbitragem, tarefa que cabe precipuamente à doutrina.

Para Carmona, arbitragem é:

Meio alternativo de solução de controvérsias através da intervenção de uma ou mais pessoas que recebem seus poderes de uma convenção privada, decidindo com base nela, sem intervenção estatal, sendo a decisão destinada a assumir a mesma eficácia de sentença judicial. (CARMONA, 1998, p. 43).
Irineu Strenger conceitua a arbitragem como:

Sistema de solução de pendências, desde pequenos litígios pessoais até grandes controvérsias empresariais ou estatais, em todos os planos do Direito, que expressamente não estejam excluídos pela legislação. (STRENGER, 1996, p. 33).

É fácil perceber que, baseado nesses conceitos, a arbitragem depende da existência de controvérsia que verse sobre direitos disponíveis. O art. 25 da lei de arbitragem versa que sobrevindo no curso da arbitragem controvérsia acerca de direitos indisponíveis e verificando-se que de sua existência, ou não, dependerá o julgamento, o árbitro ou o tribunal arbitral remeterá as partes à autoridade competente do Poder Judiciário, suspendendo o procedimento arbitral.

Diversamente do que ocorre na mediação, em que um terceiro imparcial e dotado de neutralidade assiste às partes a fim de que elas mesmas possam alcançar a pacificação, o acordo; bem como, diversamente da conciliação, em que o conciliador, também imparcial, integrante ou não do Poder Judiciário, tem liberdade para verdadeiramente aconselhar e/ou induzir as partes ao acordo, não apenas abrindo caminho para elas mesmas decidirem a demanda; na arbitragem, concede-se a um terceiro igualmente neutro, o poder de emitir decisões quanto às controvérsias levadas pelas partes, que devem eleger o árbitro de comum acordo, ou, não havendo acordo, o juiz pode indicar o árbitro.

2.2 Incursão histórica

Numa breve incursão histórica, Sofia Vale lembrou: “Com a independência de Angola, foi aprovada a primeira Lei Constitucional do país, que não previa expressamente a existência de tribunais arbitrais. Não obstante, e porque se manteve em vigor o Código de Processo Civil já existente no tempo colonial, foi possível a realização de algumas arbitragens em Angola, ainda que “algumas vozes” colocassem em dúvida a legitimidade constitucional dos tribunais arbitrais.

 A professora de Direito Comercial da UAN lembrou que, com a entrada em vigor da Lei Constitucional de 1992, tais dúvidas cessaram, na medida em que a Lei Magna estabelecia expressamente que poderiam ser criados tribunais arbitrais.

 “Foi, aliás, ao abrigo da Lei Constitucional de 1992, que foi aprovada, em 2003, a Lei da Arbitragem Voluntária que, ainda hoje, se mantém em vigor”, disse.

 Realçou que, desde a publicação da Constituição de 2010 (que é “onde estamos”), todas as formas de resolução extrajudicial de litígios passaram a ter consagração constitucional: a mediação, a conciliação e a arbitragem são mecanismos que o Executivo angolano abraça, para promover uma resolução de diferendos mais célere, mais especializada e conferindo uma maior importância à autonomia da vontade das partes em conflito.

A consultora do CREL falou do quadro legal em vigor, que foi permitindo que as partes que celebram um determinado contrato escolham a Arbitragem, como uma alternativa válida à adopção dos tribunais judiciais angolanos para a resolução dos litígios que desse contrato possam surgir.

“Apesar da nossa Lei de Arbitragem Voluntária consagrar o critério da disponibilidade de direitos, e não o critério da patrimonialidade, existe, em Angola, uma grande abertura para a arbitrabilidade de litígios.




Perante o quadro geral traçado, interessa agora apurar quais  as concretas questões atinentes a litígios societários que  poderão ser submetidas à apreciação  de um  tribunal arbitral  em Angola. A  posição de princípio que tomaremos em face do direito angolano não é alheia à experiência, evolução e tendências que  se  verificam  noutros  ordenamentos  jurídicos  que  sempre  nos  servem  de  referência,  e  cujo posicionamento actual aqui deixamos. 

Ainda que afirmemos que os litígios societários (vistos em geral, enquanto categoria) são, por princípio, arbitráveis, importa averiguar se a arbitrabilidade se verifica para cada um dos tipos de litígios societários mais  comuns, atenta  a  concreta  questão (pedido  e  causa de  pedir)  que suscitam  perante  o  tribunal arbitral.  A doutrina  mais conservadora (e  tradicional) advoga  que a  arbitrabilidade pode  vir a  ser afastada  em concreto se a questão a submeter a foro arbitral colocar em causa a ordem pública (que reconduzem à noção de ordem pública interna societária), interesses de sócios que não são parte no litígio, direitos de terceiros ou o interesse  social. Do nosso ponto de  vista, como vimos, deve privilegiar-se um  conceito amplo  de arbitrabilidade  de litígios  societários,  sendo  a sua  arbitrabilidade apenas  negada  quando  a ordem pública jurisdicional assim o impuser. 

O  contraponto  da  amplitude  da  arbitrabilidade  assim  configurada  está  nos  mecanismos  processuais disponíveis que  permitirão controlar  a conformidade  da sentença  arbitral com  a ordem  pública interna societária, com o interesse dos sócios que não são parte no litígio, com os direitos de terceiros e com o interesse social. 

Como refere MARIANA  FRANÇA GOUVEIA,  “quanto mais  se alarga  a arbitrabilidade, maior será o âmbito de controlo estadual” a posterior das sentenças arbitrais.  Antes de avançarmos para a análise da arbitrabilidade dos tipos de litígios societários mais comuns em face  do  direito  angolano,  fazemos  um  breve  apontamento sobre  o  percurso  de  alguns  ordenamentos jurídicos cuja experiência nos parece relevante.

Em alguns casos, esta matéria encontra tratamento legal expresso (ora de modo fugaz ora com maior detalhe), enquanto que noutros o legislador vai observando o posicionamento da doutrina interna e recolhendo a experiência da sua jurisprudência sem se preocupar em legislar sobre o assunto.


Os litígios societários cuja arbitrabilidade se funde em compromisso arbitral ou em cláusula  compromissória  inserida  num  outro  contrato  (que  não  os  estatutos)  são  disciplinados  pelas regras arbitrais  gerais constantes do  Codice de  Procedura Civile. As  sociedades cotadas não  podem inserir uma cláusula compromissória nos seus estatutos.

A  arbitrabilidade da  impugnação de deliberações  sociais,  da  chamada  de  prestações  acessórias  ou  suplementares,  da  declaração  de dissolução  de  sociedade  (com  excepção  dos  casos  em  que  esta  resulta  de  insolvência),  da responsabilidade dos administradores perante a sociedade e respectivo direito de regresso por parte da sociedade é admitida pela doutrina mais vanguardista.

Como  se  conclui,  as  soluções  vigentes  nos  ordenamentos  jurídicos  indicados  quanto  a  arbitragem societária são diversas, não se podendo afirmar que existe um consenso ao nível do direito estrangeiro quanto ao tipo de sociedades (por quotas ou anónimas, abertas ou fechadas) ou quanto ao tipo de litígio societário (impugnação de acordos sociais, liquidação e dissolução) passíveis de arbitragem.

Em Angola, o  legislador angolano não  regulou quais as matérias  e os tipos  de sociedades que podem resolver as suas questões em foro arbitral. Em meu  entender, também não precisa de  o fazer, pois a arbitrabilidade  da  generalidade dos  litígios societários  vai confirmada,  como de  seguida  se  verá,  pela aplicação do critério de disponibilidade  de direitos  plasmado na LAV,  interpretado de acordo  as regras que  anteriormente  apontámos,  e  que  resumimos:    se  deve  excluir  do  foro  arbitral  as  concretas questões que a nossa ordem jurisdicional interna exija que sejam resolvidas pelos tribunais judiciais.



No que  toca  aos  tipos  societários,  pensamos que  tanto  as  sociedades  por  quotas  como as  sociedades anónimas poderão socorrer-se da arbitragem. Uma vez que as nossas sociedades são todas fechadas e, mesmo nas  sociedades de  grande dimensão,  não se  verifica dispersão  do seu  capital, pensamos  que serão  pontuais  as  situações em  que  a  resolução de  questões  societárias  poderá  afectar direitos  ou interesses legítimos de terceiros.

Seguindo  o  posicionamento  que  temos  vindo  a  apontar,  advoga-se  que  poderão  submeter-se  a arbitragem os litígios atinentes a direitos disponíveis relativos à relação societária, ou seja, aqueles que tenham por objecto a sociedade, os  que surjam em virtude da sociedade  ou estejam relacionados com ela.  Assim,  os  litígios  relativos  à  interpretação  do  contrato  de  sociedade  e  a  direitos  sociais  dos  sócios (informação, lucros,  participação nos órgãos  da sociedade,  por exemplo) devem  considerar-se direitos disponíveis  relativos à  relação societária  e, por  isso, arbitráveis.  As relações estabelecidas entre os sócios em acordos parassociais também deverão considerar-se arbitráveis.

Quanto  a  nós,  tendo  por  base  a interpretação que fazemos do critério angolano de disponibilidade de direitos e a função que indicámos caber à ordem pública interna societária, não vemos qualquer obstáculo para que todas as deliberações sociais, independentemente do vício de que padecem, possam ser apreciadas por um tribunal arbitral. Quanto ao processo de declaração de falência (art. 1135º ss do CPC), tendo em conta que traz consigo a aplicação concomitante de sanções de natureza penal (ou, pelo menos, a determinação ou não da sua aplicação  por  parte  do  julgador),  pensamos  que  a  sua  submissão  a  foro  arbitral  está  fora  da  livre disponibilidade das partes.

Do exposto, resulta clara a nossa posição de princípio em matéria de arbitrabilidade de litígios societários em face da lei angolana: é possível submeter a generalidade dos litígios societários ao foro arbitral. Sem prejuízo, pensamos que a nossa doutrina e a nossa jurisprudência deverão ter a oportunidade de reflectir um pouco  mais sobre  esta matéria,  amadurecendo o seu  entendimento quanto aos litígios  societários cuja arbitrabilidade se tem afigurado  mais controversa  noutros ordenamentos jurídicos,  como é  o caso daqueles que toquem nos pilares do direito societário e convoquem princípios de ordem pública. Repare-se  que, por  não estarmos  a  propor a  alteração  de  qualquer  preceito  legislativo, mas  tão-somente  a defender uma muito ampla interpretação das  regras vigentes, é importante que essa interpretação seja primeiro acolhida na doutrina e na jurisprudência para que, depois, as decisões arbitrais que venham a ser proferidas tenham o reconhecimento da comunidade, como sentenças definitivas e obrigatórias, que se impõem às partes do mesmo modo que as sentenças judiciais. 

Como disse, Angola apresenta-se favorável à arbitragem, mas no nosso país ela ainda não atingiu a pujança  que  se  lhe    noutros  ordenamentos  jurídicos,  como  é  o  caso  do  brasileiro,  que  se  nos assemelha  em  matéria  de  crescimento  económico.  “A  aceitação  generalizada  da  opção  arbitral  nas relações que envolvam direitos disponíveis indica um estádio de desenvolvimento ético e de maturidade compatível com  a preservação das  relações empresariais  repetitivas e  de longo prazo  – relações que colaboram com os ambientes de estabilidade económica”92.Este é o caminho, mas devemos trilha-lo de forma progressiva e segura, de modo a não gerar incertezas capazes de colocar em causa a credibilidade das decisões arbitrais proferidas em Angola e a sua aceitação pela comunidade.


A convenção de arbitragem é definida como o “acordo pelo qual as partes renunciam à jurisdição estatal, ordinária, e decidem as suas controvérsias através da arbitragem”, devendo por isso classificar-se como um negócio jurídico bilateral, i.e., um contrato. Uma vez que não depende da  celebração de  qualquer contrato futuro,  a convenção de  arbitragem tem natureza definitiva, o  que afasta  a sua  classificação como um contrato-promessa. Este  acordo  das  partes  pode constar  de um  contrato  de  âmbito  mais  alargado,  consubstanciando-se numa cláusula contratual onde elas determinam a submissão de litígios futuros à arbitragem, que a nossa lei designa por cláusula compromissória. Mas pode também resultar de um contrato autónomo, celebrado entre as partes, posteriormente ao surgimento de um litígio entre elas, no qual determinam que o mesmo deve ser resolvido por um tribunal arbitral, o que designamos por compromisso arbitral.

 O  legislador  angolano  optou  por  apresentar  uma definição  clara,  nos  n.ºs  2 e  3  do  art.    da  LAV, respectivamente,  de  cláusula  compromissória  e  de  compromisso  arbitral.  Tendo  a  cláusula compromissória e o compromisso arbitral a natureza de contratos definitivos, estando qualquer um deles apto a produzir efeitos sem necessidade de acordo posterior, a diferença entre ambos radica no momento da sua celebração: a cláusula compromissória é  celebrada antes  do aparecimento do litígio enquanto o compromisso arbitral é firmado após o litígio ter surgido.

O legislador angolano determinou expressamente a validade da cláusula compromissória relativamente às relações jurídicas que originem litígios entre as partes, independentemente da sua origem contratual ou extracontratual. Quis-se, assim, que pudessem ser abrangidos pela cláusula compromissória não só os  futuros  litígios  que dessem  origem a  responsabilidade civil  contratual (art.  798º  e  ss  do CC)  mas também os passíveis de originar responsabilidade civil extracontratual (art. 483º e ss do CC). No  n.º 3  do  art.  2º da  LAV o  legislador  angolano  referiu expressamente  que o  compromisso  arbitral poderá ser firmado independentemente do litígio se encontrar afecto a um tribunal judicial.

De facto, o art. 290º, n.º 1 do CPC permite que, em qualquer estado da causa até que seja proferida decisão judicial, as partes acordem que parte ou a  totalidade da controvérsia seja remetida para apreciação de um tribunal arbitral, sendo junto ao processo ou lavrado neste o compromisso arbitral, para que em relação a parte ou à totalidade da controvérsia se opere a extinção da instância (art. 287º, al. b) do CPC). De acordo com o n.º 3 do art. 290º do CPC, as partes ficam impedidas de invocar no tribunal arbitral os actos praticados no tribunal  judicial,  salvo  reserva  expressa  nesse  sentido.  Estas  regras,  pensamos,  são  integralmente válidas no  que respeita  a litígios  surgidos de  direitos disponíveis  atinentes à  relação societária que  as partes pretendam remeter para arbitragem. 

Quanto à cláusula compromissória, o ideal será inseri-la nos estatutos da sociedade, revelando-se assim a inequívoca vontade dos signatários do pacto social em submeter a arbitragem os futuros conflitos que possam surgir entre eles, entre eles e a sociedade, entre sócios e os órgãos sociais, ou entre a sociedade e os órgãos sociais.
Refira-se ainda  que já vimos publicados em  Diário da República estatutos de sociedades angolanas que incluem uma cláusula arbitral, mas (como já referimos) não temos conhecimento de que tenha sido constituído em Angola qualquer tribunal arbitral para dirimir litígios societários. Assim, a tomada de uma posição quanto à validade da configuração de uma cláusula compromissória como norma estatutária e a determinação do seu âmbito de eficácia subjectiva têm, hoje, grande relevância. Em  primeiro lugar,  importa analisar  o significado  e o  alcance  do pacto  social, uma  vez  que para  que determinado  litígio  societário  seja  arbitrável,  as  partes  devem  ser  titulares  de  uma  relação  jurídica societária subjacente de onde brota esse litígio.

A este propósito diga-se que os estatutos da sociedade têm uma origem negocial, que fundamenta a sua natureza contratual. O facto de estarem submetidos a forma legal mais exigente (escritura pública) e a requisitos de publicidade (inscrição no registo comercial e publicação em Diário da República) prende-se, respectivamente, com a função de assegurar o controlo de determinadas disposições de natureza imperativa que sempre devem constar do pacto social (art. 10º da  LSC)  e com  o facto  deste  contrato dar  origem a  uma  nova  pessoa colectiva  (art. 5º  da LSC). 


A Embaixada Britânica, a advogada e professora de Direito Comercial da UAN, Sofia Vale, falou sobre o “Panorama da prática actual da arbitragem em Angola: de onde viemos, onde estamos e para onde vamos”. Foi neste ambiente meio rígido e formal que o Jornal de Angola conversou com a também consultora do Centro de Resolução Extrajudicial de Litígios (CREL).

Quando se refere ao estado da Arbitragem no país, a professora fala de cinco linhas a seguir, para que aquela alcance o que considera “novo ADN”, livre das amarras do processo judicial tradicional e permeável à especialidade que caracteriza as decisões arbitrais. Sofia Vale realça a urgência de o país evoluir para a Arbitragem institucional e afirma que este mecanismo de resolução extrajudicial de litígios tem futuro e margem para crescimento no país.

Para Sofia Vale, é urgente que o país evolua para a arbitragem institucional e que os juristas de empresas e advogados, nos contratos a celebrar de futuro, incluam uma cláusula arbitral, que remeta às arbitragens os litígios oriundos desse contrato, para serem resolvidos pelo CREL, de acordo com o seu regulamento.

Diante dos sinais e passos dados até agora, Sofia Vale acredita que a Arbitragem tem futuro em Angola, numa altura em que é propósito do Executivo retirar dos tribunais judiciais o contencioso de massas, litígios que seriam rapidamente resolvidos através da Arbitragem. O contencioso de massas tem a ver com contratos de seguros, contratos de abastecimentos de água e energia e telecomunicações e ainda o crédito bancário malparado.

Na visão da consultora do CREL, é preciso olhar para o que considera "as cinco principais linhas de actuação em que o CREL deve trabalhar e investir, para que, no futuro, a arbitragem em Angola seja mais utilizada". Assim, adianta, a primeira linha deve incidir sobre a necessidade de o CREL desempenhar o seu papel de motor no desenvolvimento da arbitragem e servir de exemplo para os centros privados e produzir um efeito multiplicador para os centros de arbitragem públicos.

 A "segunda linha", de acordo com a professora, consiste na difusão do ensino da Arbitragem entre os juristas (deve ser também o papel da Ordem dos Advogados), que inclui um módulo de arbitragem no curso de estágio, bem como inserir no currículo das Faculdades de Direito.  A "terceira linha" passa pela necessidade de se ter consciência de que quem escolhe a Arbitragem e os árbitros são os advogados e não as partes em litígio e que o processo arbitral é diferente do processo judicial. Para a "quarta linha", Sofia Vale entende que é necessário transferir para o foro arbitral certas matérias de contencioso de massas, de modo a desafogar os tribunais em questões ligadas a seguros, crédito bancário mal parado, contratos de adesão (telecomunicações, água, luz).

 Na "quinta linha", defende que os tribunais criem mecanismos eficientes destinados à implementação da Convenção de Nova Iorque, numa altura em que já estão a ser dados passos, pelo Tribunal Supremo, em matéria de reconhecimento de sentenças arbitrais estrangeiras.
 Sofia Vale sugere também ser preciso trabalhar com os tribunais provinciais, que desempenham um importante papel como tribunais auxiliares da Arbitragem e como tribunais de execução de decisões arbitrais que não sejam voluntariamente cumpridas.
 Se pusermos em prática estas cinco grandes linhas de actuação, conseguiremos criar um novo ADN nos nossos juristas, advogados, árbitros e magistrados”, defende.

Sofia Vale esclarece que a Arbitragem incide sobre os direitos disponíveis e que tal define-se como a faculdade de o titular de um direito renunciar ao mesmo, lembrando que ele não se afere instituto a instituto (direito de família, comercial, trabalho, etc.), mas deve ser avaliada questão a questão, considerando a causa de pedir e, eventualmente, os termos em que é formulado o pedido. Para a professora, a tendência actual vai no sentido de haver, cada vez mais, questões arbitráveis.


A consultora do CREL, explica que face a necessidade de conferir competência ao CREL para administrar arbitragens, o centro tem sugerido às partes em litígio a celebração de um compromisso arbitral para que as partes possam a qualquer momento, acordar entre si, por escrito, que um dado litígio pode ser resolvido através de uma arbitragem CREL, revogando o foro que haviam estabelecido na cláusula arbitral inserida no contrato que celebraram.

“Quando as partes já enfrentam um litígio concreto fica sempre mais difícil chegarem a um acordo. E por isso, nenhum dos 6 pedidos de arbitragem apresentados ao CREL pôde avançar”, esclarece, aconselhando os litigantes a deixarem claro que todos os litígios emergentes de determinado contrato ou com ele relacionado, serão definitivamente resolvidos através de arbitragem, e sem recurso, de acordo com o Regulamento de Arbitragem do CREL.





Para a professora de Direito Comercial, na actual conjuntura econômico-financeiro que Angola vive, torna-se particularmente oneroso, para as empresas que trabalham em Angola e que têm litígios entre si, contratarem os serviços de uma instituição arbitral com sede no estrangeiro, porque terão de os pagar em divisas e terão de contratar advogados estrangeiros.

 Por essa razão, o recurso a arbitragens CREL apresenta-se como uma alternativa eficaz e bastante mais económica para as partes em litígio, na medida em que o Regulamento de Taxas de Arbitragem do CREL prevê que, tanto o pagamento dos encargos administrativos do CREL, como dos honorários dos árbitros, seja efectuado em Angola e em kwanzas, evitando que as partes litigantes tenham de se confrontar com as perspectivadas desvalorizações do Kwanza.

A este propósito, sublinhou, as taxas previstas no regulamento são de valor bastante mais baixo do que as taxas consagradas em regulamentos de outros centros de Arbitragem internacionais, como é o caso do regulamento da CCI. Além disso, as taxas do regulamento do CREL são progressivas. Para litígios até 5 milhões de kwanzas,  aplica-se uma taxa administrativa de 250 mil kwanzas e honorários de árbitro no mesmo valor.
 “Estas taxas sobem progressivamente, por patamares, à medida que sobe o valor do litígio em discussão”, esclareceu.


A professora Sofia Vale dá uma idéia clara da amplitude com que a lei angolana acolhe a Arbitragem e sublinha como exemplos a Lei das Actividades Petrolíferas, o Decreto sobre Contratos de Seguro, a Lei dos Contratos Públicos, a Lei de Defesa do Consumidor, a Lei sobre Contratos de Adesão, a Lei do Investimento Privado, a Lei das Cooperativas, e, mais recentemente, o Código de Valores Mobiliários, o Código Geral Tributário e a Lei Geral do Trabalho.


“Estas leis prevêem expressamente a possibilidade de litígios relativos às matérias aí reguladas serem solucionados por via arbitral e, tendo como pano de fundo este quadro legal, têm vindo a realizar-se em Angola cada vez mais Arbitragens, todas elas, até à data, por tribunais "ad-hoc" ou, seja, por tribunais arbitrais constituídos à margem de um centro de Arbitragem”, disse Sofia Vale.

A professora lembra o facto de, não obstante terem sido já licenciados, pelo Ministério da Justiça e dos Direitos Humanos, cinco centros de arbitragem, até ao momento, nenhum deles estar efectivamente a funcionar.

 Entre os exemplos apontados por Sofia Vale, está o Centro de Mediação e de Arbitragem da Associação Industrial Angolana – CAAIA,  aprovada mais recentemente, em Outubro de 2017. Por seu lado, a Ordem dos Advogados de Angola submeteu também ao Ministério da Justiça e dos Direitos Humanos um pedido para a criação de um centro de arbitragem, cuja aprovação se encontra ainda pendente.

 O facto de os quatro centros de Arbitragem, que beneficiaram de aprovação em 2012, ter demorado algum tempo a dar início à sua actividade levou o Ministério da Justiça e dos Direitos Humanos a determinar a criação, em Junho de 2014, do CREL – O Centro de Resolução Extrajudicial de Litígios.
















Em suma, concluí-se que,  a  arbitragem  é  um  instituto  de  direito  processual  de  utilização  crescente  em  Angola.  As vantagens  da sua  utilização para  a resolução  de  conflitos intra-societários  são já  conhecidas entre nós, tendo-se verificado que algumas sociedades inserem nos seus estatutos uma cláusula compromissória. Esta solução é possível, pois radica no princípio geral da autonomia da vontade das partes outorgantes do contrato de sociedade.  Verifiquei  que os  critérios de  arbitrabilidade variam  consoante  os ordenamentos  jurídicos e que,  apesar  de  diferenças  pontuais  resultantes,  em  grande  medida,  do  posicionamento  da respectiva  doutrina e  das  decisões jurisprudenciais,  a  arbitrabilidade de  litígios  societários é admitida em geral. Isto advém do facto das relações societárias que podem ser objecto de litígio acabarem por se reconduzir à discussão de questões de natureza patrimonial, o que confirma a sua arbitrabilidade. Em  Angola,  a arbitrabilidade de  litígios societários  deve ser  admitida em geral,  sendo arbitráveis os  direitos disponíveis relativos  à relação  societária, entendidos  de forma  muito  ampla. A  ordem pública interna jurisdicional é convocada para determinar quais os litígios societários indisponíveis e, por consequência, inarbitráveis. Esta  é a  nossa posição  de princípio  em face  do direito  angolano, mas reconhecemos que a doutrina e a jurisprudência angolanas carecem ainda de algum tempo para, com propriedade, maturar a solução aqui proposta.















ALONSO-MUÑUMER e PÉREZ, “La arbitrabilidad…”, op. cit., p. 429. 60 Citamos ROBLERO, Impugnácion…, op. cit., p. 178.

Artigo publicado na Revista da Ordem dos Advogados de Angola, Luanda, 2013.  Professora da Faculdade de Direito da Universidade Agostinho Neto, Luanda, Angola  A arbitragem enquadra-se nos chamados meios de resolução alternativa de litígios (alternative dispute resolution) que,  nas  palavras  de  MARIANA  FRANÇA  GOUVEIA,  Curso  de  Resolução  Alternativa  de  Litígios,  Almedina, Coimbra,  2011, p. ,  correspondem  ao “conjunto  de  procedimentos de  resolução  de  conflitos  alternativos  aos meios  judiciais”.  Nesta definição,  assaz vaga  mas abrangente,  incluem-se  ainda a  negociação, a  mediação e  a conciliação. 4 Lei n.º 16/03, de 25 de Julho, sobre a Arbitragem Voluntária, publicada no Diário da República, Série I, n.º 58.
BARROCAS, Manual…, op. cit., p. 119. 86

MARIA  INMACULADA  RODRIGUÉZ  ROBLERO,  Impugnación  de  Acuerdos  Sociales y Arbitraje, Tese  de Doutoramento  defendida  na  Universidade  Complutense  de  Madrid,  2010,  disponível  em http://eprints.ucm.es/11611/1/T32148.pdf, p. 27 a 29.

MARIA ENCISO ALONSO-MUÑUMER e ANA FELÍCITAS MUÑOZ PÉREZ, “La arbitrabilidad de las acciones de Responsabilidad Social de los Administradores de La Sociedad Anónima” in Estudios de Derecho de Sociedades Y Derecho Concursal – Libro Homenaje al Professor Rafel García Villaverde, Tomo I, Marcial Ponds, Madrid/Barcelona/Buenos Aires, 2007, p. 429.

MARIA GAIA CAVALLARI, Arbitrato Societario Tra Concorrenza E Alternativa, Tese De Doutoramento defendida sa  Libera  Università  Internazionale  Degli  Studi  Sociali  Guido  Carli,  2011,  disponível  em http://eprints.luiss.it/950/1/20110405-cavallari-tesi.pdf , p. 45e ss.

PEDRO BAPTISTA MARTINS, “A Arbitragem nas Sociedades de Responsabilidade Limitada”, in Reflexões sobre Arbitragem:  in  Memoriam do  Desembargador Cláudio  Vianna de  Lima, coordenado  por Pedro  Baptista Martins  e José Maria Rossini, LTR, São Paulo, 2002, p. 134 87 BARROCAS, Manual…, op. cit., p. 111.
RAUL VENTURA, “Convenção de Arbitragem” in Revista da Ordem dos Advogados, ano 46, n.º 2, Lisboa, 1986, p. 289 e ss. 63 GOUVEIA, Curso…, op. cit., p. 184.
UAN, Sofia Vale.





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