ARELAÇÃO CORPO (CEREBRO) MENTE E CONSCIÉNCIA


TRABALHO ELABORADO POR FLUSIL MOMENT



 ARELAÇÃO CORPO (CEREBRO) MENTE E CONSCIÉNCIA

             A ciência, e particularmente a Ciência Cognitiva, reconhece que o cérebro e todas as suas estruturas são a base de todo processamento de sensações, cognições, sentimentos e movimentos. Este processamento é feito, na maioria dos casos, sem qualquer interferência do ser humano. No entanto, em certas situações, tais como a aceleração do bater do coração, o aumento da humidade nas mãos ou testa, o enrijamento dos músculos, o elevado estado de concentração, as reacções do sistema fisiológico são tão flagrantes que ficamos conscientes de que o nosso corpo está a reagir ao que está acontecer à nossa volta ou ao que estamos a pensar. A maneira como estas reacções fisiológicas são feitas é comum em todos os seres humanos, o que é diferente é a forma como são activados. Esta, na maioria dos casos, é dependente do modo como interpretamos tudo aquilo que apercebemos à nossa volta ou o que nos vai na alma. É esta individualização do modo como processamos informação que faz com que o estudo dos processos psicofisiológicos é difícil de analisar pois o que pode parecer tenebroso para alguns para outros é engraçado ou satisfatório. A questão que então se põem é saber se a actividade, mental ou comportamental, é aceitável à sociedade onde esse indivíduo vive, pois só assim o psicofisiologista pode saber o que fazer caso a maneira como a pessoa reage poder ser considerada disfuncional ou não.

       É sabido que o corpo humano é composto de diversos sistemas: nervoso, gastrointestinal, circulatório, respiratório, tegumentório, muscular, urinário, endócrino, imune, esquelético, reprodutor e outros. Mas aquele que tem por função a coordenação de quase todos os outros é o sistema nervoso, pois se o corpo sai fora do seu estado homeostático, ele é, por norma, o primeiro a tentar corrigir o que está errado pois este pode desenvolver problemas difíceis de concertar particularmente se o problema envolve o cérebro. Como foi apontado por Clarke e Sokoloff (1994) o cérebro é um dos primeiros órgãos que pode ser deteriorado quando existe uma perca acentuada de oxigénio ou glucose, um aumento grande de calor ou de um desequilíbrio do nível pH. Portanto o cérebro é não só o controlador do bom funcionamento do corpo como também depende deste para o ser humano poder funcionar tanto quanto se pode desejar. Isto implica que os processos cognitivos e os do corpo interactuam directamente pois uma condição física anormal pode alterar significativamente o que pensamos, o que fazemos ou o que podemos fazer. A Psicofisiologia permite por assim dizer compreender o entendimento entre o cérebro e o corpo humano, usando processos cognitivos como mecanismos para identificar a relação entre estas duas partes.

       Na generalidade quase todas as actividades do corpo humano podem ser analisados pela psicofisiologia. Isto dá a possibilidade de se poder notar a maneira como as pessoas respondem a acontecimentos. Uma possível consequência deste entendimento é que num futuro muito próximo talvez possamos saber, mesmo a nível individual, tudo acerca da maneira como o cérebro processa informação externa (visão, audição, e outros) ou interna (pensamentos, ideias, imagens, visões, sonhos, e assim por diante).

       Para se poder entender o que é a Psicofisiologia é essencial não só ler e saber acerca dos diversos sistemas fisiológicos do ser humano mas também é preponderante que o que a estuda/usa veja a maneira como o sistema fisiológico reage a eventos ou estímulos. O ensino da Psicofisiologia sem mostragem destas reacções é deficiente e sem qualidade. Logo, um curso de Psicologia que tenha por componente a Psicofisiologia tem por obrigação de ter um período de ensino prático. O problema é que hoje em Portugal é muito raro encontrar instrução experimentada da Psicofisiologia nas Licenciaturas de Psicologia. Até quando?



       Metodologia

       Para se captar dados psicofisiológicos usam-se toda uma série de equipamento
simples e já conhecido do público em geral como a Electroencefalografia (EEG), a Electromiografia (EMG), o Electrocardiograma (ECG) ou a Actividade Electrodérmica (AED) ao mais complexo como a actividade de Potenciais de Eventos Relacionados (PER), a Tomografia por Emissão de Positrões (TEP), a Representação funcional por Ressonância Magnética (RfRM), a Imagem Óptica (IO) (Fabiani et al, 1996) ou a Magnetoencefalografia (MEG). A introdução de sistemas informáticos e de novas tecnologias na Psicofisiologia fez com que hoje seja possível analisar actividades cerebrais que até pouco tempo serão consideradas imensuráveis como por exemplo ‘ver’ o que o cérebro faz quando se aprende ou executa um movimento (Jueptner e Weiller, 1998), ou quando se processa cores numa pintura (Zeki e Marini, 1998) ou quando as pessoas estão a fazer testes psicotécnicos para identificar o seu QI (Quociente de Inteligência) (Duncan et al, 2000), ou quando se está a analisar a capacidade da memória das pessoas (Frey e Petrides, 2000), ou mesmo quando uma pessoa pensa de uma cara ou de um lugar. Outras técnicas menos usadas na Psicofisiologia são a Pupilametria, que como o nome indica mede o diâmetro da pupila em relação a certos comportamentos cognitivos como a atenção (Beatty, 1982) e a Pletismografia que mede a abundância/volume da circulação do sangue em certas partes do corpo como por exemplo nos órgãos sexuais (Levin, 1998; Richards, et al 1990). Em Portugal, neste momento, as metodologias mais usadas na prática/ensino da Psicofisiologia são o EEG, o EMG, o AED e o ECG. Isto talvez devido ao facto que a única literatura em língua portuguesa que ainda é usada em Portugal no ensino da Psicofisiologia ter sido publicada em 1984 por R. F. Thompson. Isto faz com que o ensino e/ou treino da Psicofisiologia que hoje se faz em alguns sítios tenha um atraso de 17 anos (tendo em consideração a publicação deste artigo = 02/2001) em relação ao que se faz em países de expressão anglo-saxónica onde não só existem vários jornais científicos acerca deste assunto como existem grupos profissionais/científicos como a Society for Psychophysiological Research (SPR).

A análise dos Potenciais de Eventos Relacionados (PER) (em Inglês = Event-Related Potencials ou ERPs) é uma técnica nova, que identifica aspectos específicos do EEG e que envolve o uso de sistemas informáticos. Para aqueles que querem aprofundar o conhecimento sobre esta técnica devem consultar a literatura publicada por Donchin (1979). Uma explicação muito breve do PER é que ele é uma manifestação no EEG de actividades cerebrais que acontecem quando uma pessoa se prepara ou responde a acontecimentos exclusivamente cognitivos ou ambientais. Portanto, são manifestações puramente do foro psicológico, como por exemplo atenção, memória, plasticidade neurológica e outros (Rugg e Coles, 1995). Os PERs que derivam do processamento cortical tendo por base acontecimentos (estímulos) exteriores são chamados Exógenos, aqueles PERs que resultam de processamento cortical sem a intromissão de estímulos exteriores são Endógenos.

De acordo com Vaughan (1969) existem quatro tipos de PERs: os Potenciais Evocados Sensoriais (PES), que como o nome indica são basicamente o produto de estímulos visuais, auditivos, olfactivos ou somatológicos; os Potenciais Motores (PM) que antecedem e acompanham movimentos voluntários; os Potenciais de Longa Mora (PLM) que visam todos os componentes positivos ou negativos do PER e que acontecem depois de um intervalo de 250 e acabam ao fim de 550 milissegundos. Estes mostram respostas corticais subjectivas provenientes de estímulos esperados ou inesperados. Por último os Potenciais de Mudanças Continuadas (PMC) que foram descobertos por Walter et al (1964) e aos quais chamou Variações de Contingentes Negativos (VCN). Estes podem-se observar em situações nas quais as pessoas são avisadas para responder a um acontecimento algum tempo depois de terem recebido um sinal de aviso. Por exemplo uma pessoa recebe um sinal sonoro e passado algum tempo tem que carregar um botão assim que vê uma luz.

O EEG que hoje se usa para se poder identificar os PERs tem um maior número de eléctrodos, na ordem dos 128 a 256 (Tucker, 1993), do que se usava antigamente (16 eléctrodos). Isto faz com que a analise seja mais precisa em relatar o que o cérebro faz quando processa informação ao ponto de agora se poder construir mapas cerebrais em 3-dimensões dos originadores dos PERs (Perrin et al, 1987). No entanto, e na maioria dos casos, ainda se usa o Sistema Internacional (SI) 10-20 de 16 eléctrodos. Em alguns casos o EEG é gravado em fita magnética e depois analisado por um computador. Mas, devido à rapidez dos sistemas informáticos que hoje se podem adquirir, o sinal do EEG é digitalizado em tempo real e analisado por meio de uma técnica de médias. Por exemplo, se quisermos analisar PESs visuais, colocamos eléctrodos na posição O1 e O2 (do SI 10-20) no crânio. Depois, apresentamos uma série de estímulos visuais, como uma base quadricular de quadrados brancos e negros, a intervalos certos e durante um certo período de tempo. Sempre que a base quadricular é apresentada, um segmento do EEG é digitalizado para dentro da memória do computador e os pontos digitais da onda deste segmento do EEG é somada aos pontos dos segmentos que já estão na memória do computador. Ao fim do período do tempo total da experiência faz-se uma média de todos os pontos digitalizados. Isto resulta numa curva PER que contêm todas as suas componentes. Os picos positivos e negativos da onda PER podem ser definidos como sendo aspectos do PER relacionados com a) as localizações do SI 10-20, b) relacionados com as estruturas neurológicas do cérebro (Fabiani et al, 1987) e c) serem usados em associação com o TEP, o RfRM, o MEG e o IO. Isto resulta numa melhor quantificação e identificação das diversas estruturas cerebrais que estão em actuação durante o processamento da informação dos diversos estímulos ou actividades cognitivas.

O princípio e o uso do MEG são muito parecidos com o que se faz no EEG, mas com a diferença de que o MEG mede a actividade magnética das células nervosas do cérebro. Isto faz com que os problemas que encontramos no EEG, tais como as percas de resolução e qualidade eléctrica da actividade encefálica devido à espessura ou a forma do osso craniano, ou ao campo de resolução da actividade cerebral ser mais larga no EEG, ou aos eléctrodos serem fixados no couro cabeludo, ou também devido ao facto que o MEG não necessita de eléctrodos de referencia e portanto mais ser mais fácil e precisa a identificação da origem da actividade cerebral, seja mais afectado por medidas parasitas do que o MEG.

A Tomografia por Emissão de Positrões (TEP) assim como a Representação funcional por Ressonância Magnética (RfRM) são técnicas muito novas mas que no entanto já estão a prover dados acerca da maneira como o cérebro processa o comportamento e toda uma série de informação impossível de se ver até agora.

O TEP é usado no estudo das funções do cérebro que actuam principalmente no desenvolvimento dos seres humanos, no seu envelhecimento, nas consequências de acidentes cerebrais, e no tratamento e diagnose de comportamentos disfuncionais tanto no foro mental como físico. Esta técnica, desenvolvida nos anos 70, deve-se à descoberta de radiotraçadores de vida curta, como o O15 (com uma vida de 2 minutos), o N13 (com uma vida de 10 minutos), o C11 (com uma vida de 20 minutos), e o F18 (com uma vida de 110 minutos), que possibilita a observação de actividades cerebrais de curta duração em pessoas intactas e vivas. Como o Oxigénio, o Nitrogénio e o Carbono (assim como o Fluorídico - um composto de Flúor e Hidrogénio) são parte integrante do corpo humano, estes elementos podem-se misturar com fármacos ou outras substâncias radioquímicas (como o Butanol, ou a Água) para assim podermos identificar o local de actuação destes produtos no sistema fisiológico.

Estas substâncias são sintetizadas por meio de aceleradores de partículas (em Inglês = Cyclotron), que as irradia de protões e deuterões, e que depois de purificadas ou são injectadas ou inaladas por pessoas. Os radiotraçadores enfraquecem porque emitem positrões, que são electrões instáveis, escassos em neutrões, com uma carga positiva, que não se movimentam muito e que quando encontram electrões negativos ‘explodem’. Quando isto acontece, as suas massas convertem-se em fotões de alta energia (Raios Gama) que se propagam em direcções opostas (180º) ao movimento inicial. Isto faz com que este novo movimento possa ser detectado por aparelhos que permitem identificar o local onde existe um maior número de ‘explosões’ e assim localizar a área cerebral com maior concentração de radiotraçadores, que na maioria dos casos é a área que esta a ser usada para executar o comportamento em causa. O radiotraçador O15-Água é o mais usado no estudo de actividades cerebrais. No entanto devido ao facto que esta substância tem uma certa dificuldade em passar a barreira hematoencefálica, em situações onde se requerer uma alta absorção do radiotraçador pelo cérebro, usa-se o O15-Butanol. No entanto o O15-Água é mais fácil de se adquirir e relativamente menos dispendioso, pois trabalhos que usam a técnica do TEP são altamente onerosos e precisam de equipas de especialistas tais como físicos, neurologistas, informáticos, psicólogos e outros. Os estudos que usam o radiotraçador O15-Água investigam áreas cerebrais que controlam comportamentos humanos como o controle motor, a atenção, a percepção, a memória, as emoções, a linguagem, a imaginação, o sono, e alguns comportamentos disfuncionais tais como ataques de pânico ou ansiedade. Presentemente o TEP está a ser usado no estudo de comportamentos bastante mais complexos como a aprendizagem (Savage et al, 2001), que faz com que esta tecnologia possa mostrar dentro em breve mostrar todos os segredos que o cérebro ainda têm para nos dar. Em parte devido à descoberta de novos radiotraçadores tais como a sintetização de substâncias que o próprio cérebro usa como a serotonina ou a dopamina, ou de aminoácidos usados por tumores cerebrais. Portanto, o uso esta técnica em pessoas com enfermidades ou intactos só pode ser limitada ou por causa do seu uso ser acima das posses económicas do país em causa, ou então do pouco conhecimento que se tem acerca dela.

Em relação à Representação funcional por Ressonância Magnética (RfRM), pode-se dizer que algumas das suas desvantagens em relação ao TEP, é de ser muito mais afectado por variáveis parasitas como movimentos da cabeça, de não se poder apresentar estímulos a todos os sensos humanos (visual, auditivo, tacto, gustativo e o olfacto), de a sua análise ser muito mais complexa, de não se poder actuar/falar com o participante, de não se poder fazer em conjunto outras medidas psicofisiológicas como o EEG/PER, ECG, EMG ou o AED, e de não se poder fazer análises em todo o cérebro (o RfEM tem alguma dificuldade em analisar certas partes cerebrais localizadas no lobo frontal). No entanto o RfRM em relação ao TEP tem a vantagem do custo do seu uso ser menor, a resolução espacial (a espessura de cada fatia cerebral = voxels) ser superior (no RfRM = 1mm; no TEP = de 3 a 15 mm), não haver problemas de radiação se utilizarmos o mesmo participante muitas vezes, de ser possível fazer estudos relacionados com eventos cerebrais pequenos (RfEM = 30 mseg, no TEP = 100 mseg), e de ser possível fazerem-se estudos de caso.

Um dos primeiros estudos que usou o RfRM foi feito em 1991 por Belliveau et al e foi publicado no jornal Science. Quer dizer que esta técnica é relativamente nova e é um desenvolvimento da Tomografia por Ressonância Magnética (TRM) já usada em alguns laboratórios no país. O TRM é baseado na ideia de que átomos do corpo humano se orientam ou paralelamente ou em 180º em relação a um campo magnético. Este campo, gerado por um sistema de magnetos num estado de supercondutividade e que pode variar entre 0,5 a 3 Teslas, é equivalente a 10 - 60 mil vezes mais forte do que o campo magnético da Terra. O principal objectivo do TRM é medir a distribuição magnética dentro do corpo. Este é feito de biliões de átomos que giram e se movimentam aleatoriamente. Um dos átomos mais abundantes no corpo humano é o hidrogénio que tem um protão e um electrão e um largo momento magnético. Este não é mais do que a facilidade que os átomos de hidrogénio têm em se alinharem quando são colocados dentro de um campo magnético. Isto implica que quando um corpo humano entra dentro de um TRM os magnetos alinham os átomos a girarem e a bambolearem de uma certa maneira, também chamada a precessão. Logo após este alinhamento uma onda de uma certa frequência, gerada por uma bobine (que em TRMs que produzem imagens em 3D têm bobines gradientes nos três planos) ligada a um transmissor de rádio, produz um pulso que faz com que os átomos na parte do corpo humano que se quer analisar comecem a girar e a precessar de acordo com essa frequência, também chamada a frequência de Larmour. A introdução do pulso no TRM chama-se Ressonância. A frequência da Ressonância é calculada tendo por base o tipo de tecido humano que se está a observar e a potência do campo magnético. Geralmente cada TRM tem três bobines gradientes que estão posicionados de uma certa maneira e que quando são ligadas e desligadas rapidamente alteram o campo magnético numa área do corpo humano muito pequena. A imagem dessa parte (o voxel) é obtida através da medição do tempo que a energia electromagnética dos protões de hidrogénio tomam em voltarem a girar como antes de terem recebido o pulso – tempo de relaxamento (T1). A medição deste tempo é feita em certos intervalos (TR). Quanto mais pequeno for este intervalo melhor é a resolução da imagem. Uma outra medida que também se tira é o T2, que é usada principalmente no RfRM. Esta refere-se ao tempo de abatimento da potência do pulso e à perca da coerência do giro dos protões. Toda esta informação vai para um computador gráfico que usando programas dedicados (como o Fast Fourier Transformation - FFT) traduz os dados obtidos de cada pulso numa imagem.

O sangue, sendo uma substância rica em átomos de hidrogénio, é um óptimo candidato para TRM. Portanto, pode-se medir não só o tempo de relaxamento dos giros dos átomos (e assim mostrar as diversas partes do encéfalo), assim como o movimento do sangue. Mas em relação ao cérebro o que é também importante avaliar é o seu volume sanguíneo pois este altera-se devido às mudanças da oxigenação do sangue quando pessoas processam estímulos internos (pensamentos, ideias, imagens) ou externos (activação de sensores). Isto é o que o RfRM faz, pois consegue identificar o tipo de glóbulos vermelhos no cérebro. Esta técnica, chamada a Dependência do Nível de Oxigénio no Sangue (DNOS) [em inglês = Blood Oxygenation Level Dependent (BOLD], apresentada por Ogawa et al (1992), identifica a intensidade do sinal obtido pelo TRM devido à quantia do oxigénio na hemoglobina dos glóbulos vermelhos e do volume sanguíneo nas veias e capilares do cérebro. Estas mudanças do sinal podem ser usadas para medir, indirectamente, as mudanças do volume sanguíneo em locais específicos no cérebro. Portanto quando um ser humano processa um estímulo, uma área cerebral entra em actuação. Isto faz com que o volume sanguíneo nessa área aumente com um maior número de glóbulos vermelhos com oxigénio (os oxiemoglobinas), e uma redução no número de glóbulos vermelhos com menos quantia de oxigénio (os deoxiemoglobinas), e o resultado disto é que o sinal captado pelos sensores no TRM aumenta. Em prática, quando se quer fazer um RfRM de um processo mental, primeiro tiram-se um conjunto de imagens da área encefálica com interesse em repouso. Depois tiram-se um outro conjunto de imagens durante a execução do acto mental. Estes dois conjuntos de imagens são então subtraídas umas das outras que resultam em imagens com partes cerebrais mais brilhantes que outras, e assim podem-se expor as partes cerebrais que estão a processar o estímulo, em relação a outras que se encontram em repouso (Bandetti et al, 1993). No entanto, devido ao facto que o RfRM é uma metodologia bastante complexa, sofisticada, muito nova e que não pode ser usada em pessoas que tenham peças metálicas no corpo (e deixou o autor deste artigo com alguma dor de cabeça depois do seu uso) é ainda pouco usada em investigação que envolve o estudo do cérebro humano. Isto não implica que possa ser usado no estudo de outros órgãos e partes do corpo humano como o coração, os pulmões, o sistema digestivo, os rins, o pescoço, os músculos e as articulações que são cada vez mais correntes.

             Portanto são estas novas tecnologias que conseguem que a Psicofisiologia seja, em cada dia que passa, mais usada no estudo da relação do corpo com a mente. Esta relação faz com que se consiga não só uma maior compreensão da maneira como o corpo humano reage a acontecimentos, mas também reconhecer que o seu uso seja considerado também como uma metodologia bastante poderosa na reabilitação de condições físicas como traumas ou disfunções.


       Utilização

A Psicofisiologia tem sido usada nos mais variados campos e áreas. Desde o estudo de psicopatologias de perturbações mentais ao desenvolvimento de sistemas de diversão. Isto implica que o limite da sua utilização é dependente da criatividade do ser humano.

Em relação à área da saúde a Psicofisiologia concentra-se principalmente na:

·       ·        na identificação e manejo de ansiedades (stress) ou pânico,
·       ·        no estudo e correcção de estados emocionais (com todos os seus problemas não só em termos de definição como na maneira como são processados),
·       ·        nos problemas do sono:
o   o       insónia
o   o       apneia
·       ·        na identificação de comportamentos excessivos:
o   o       extrovertidos
o   o       introvertidos,
o   o       impulsos,
o   o       agitações,
o   o       sossegos,
·       ·        na identificação e possível método terapêutico de psicopatologias:
o   o       a esquizofrenia,
o   o       a depressão,
o   o       as manias e/ou fobias,
o   o       os comportamentos anti-sociais como:
§  §          a agressão,
§  §         a demência,
§  §         a insensatez,
o   o       a hiperactividade (via o EEG Quantitativo [EEGQ]),
o   o       o autismo,
·       ·        no processo do envelhecimento com a análise:
o   o       do declino de condução do sistema nervoso,
o   o       do declino do volume/perfusão sanguínea,
o   o       do declino da capacidade máxima do ar,
o   o       do declino da força muscular,
o   o       no aumento da pressão sanguínea,
o   o       no aumento da resistência do sistema vascular,
·       ·        na identificação e controlo da hipertensão,
·       ·        na mitigação da:
o   o       dor crónica (via estimulação eléctrica de nervos tanscutâneos [EENT]),
o   o       asma (via métodos de relaxação [MR] e consumo do O2 [CO]),
o   o       epilepsia (via o EEG),
o   o       reumatismo (via o MR, EMG e temperatura cutânea [TC]),
o   o       enxaqueca (via o EMG, TC e MR),
o   o       hiper-ventilação (via MR, e CA),
·       ·        na reabilitação de:
o   o       anomalias,
o   o       traumas físicos,
o   o       doenças de ansiedade pós-trauma (DAPT),
o   o       incontinências,
o   o       ofensas traumáticas cerebrais (OTC),
o   o       acidentes vasculares cerebrais (AVC)
entre outros.


       Conclusão

             Entre 1990 e 2000 foi a Década do Cérebro. Durante estes dez anos o nosso cérebro começou a revelar alguns dos seus mais profundos segredos. Conseguiu-se descobrir como o cérebro processa as nossas emoções, as nossas percepções, os nossos actos motores e intenções, e o que ele faz antes de se começar a falar, olhar e até mesmo pensar. No entanto é preciso reconhecer que a nossa maneira de ser pode ser influenciada por um coração que bate com alguma dificuldade e também pela maneira como desenvolvemos a nível cognitivo. Como já foi apontado, o cérebro modera o corpo assim como este modera a cérebro. A Psicofisiologia é uma técnica que pode parecer como sendo uma janela da ligação entre mente e o nosso corpo. Esta por si só não resolve os problemas desta relação. Pode sim dar-nos resultados mais precisos da nossa actividade física em certas situações e de uma maneira ainda muito primitiva mostrar a complexidade desta relação.

Este artigo é uma apresentação muito breve acerca das novas técnicas que psicofisiologistas andam agora a usar para poderem indagar ainda mais a relação corpo e mente. O que se está a descobrir é que esta tem a capacidade não só de se auto-destruir mas também de se auto-compôr. Tudo depende do que o ser humano quer fazer não só de si próprio mas também da relação que tem com a sociedade ou o ambiente em que vive. Tem que se reconhecer que esta ainda tem muitos segredos e que estas novas tecnologias ainda talvez não consigam descobrir o que se passa entre o corpo e certas partes da mente. Por isso devemos de estar continuamente a par não só do que se está a fazer nesta área mas também de se começar a investir seriamente na sua prática tanto a nível de cuidados do ser humano como a nível de investigação. Para isso acontecer existe uma necessidade cada vez mais premente de se desenvolverem laboratórios em institutos, centros de saúde, hospitais, universidades e outros para se poder formar uma massa crítica e recursos humanos suficientes para se dar aos utentes de cuidados de saúde, de mercancia e de entretimento o benefício deste novo conhecimento. Espera-se que este escrito seja mais um ‘tijolo’ nesse grande e importante assunto que é a Psicofisiologia.


Referências

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O Electroencefalograma

                        Caton em 1875 foi o primeiro a usar o Electroencefalograma (EEG) como identificador da actividade sensorial do cérebro. Ele estava interessado em saber como o cérebro de certos animais (coelhos e macacos) respondiam a estímulos visuais. Para poder obter estas medidas, Caton analisou a actividade neurológica directamente no cérebro destes animais enquanto estes recebiam estimulação visual. Ele verificou que a zona occipital do encéfalo respondia sempre que uma luz passava em fronte dos olhos dos animais. Pode-se dizer que esta foi a primeira vez que se consegui verificar actividade neurológica no cérebro em resposta a um estímulo, o que implica que potenciais sensoriais evocados precedem o EEG.

                        No entanto este trabalho inicial não chamou a atenção de outros investigadores e não recebeu a divulgação que devia de ter. Mas em 1929 Hans Berger consegui não só demonstrar que se podia medir actividade cerebral via o EEG em pessoas intactas, mas que esta actividade também se podia observar directamente no cérebro de pessoas submetidas a neurocirurgia. Berger identificou dois tipos de ondas no EEG: uma que era relativamente regular e larga com uma frequência cerca de 10 ciclos/segundo (c/s) que surgia em pessoas que tinham os olhos fechados e que estavam descontraídos. Ele chamou Alfa a esta onda. A segunda onda era mais irregular do que a Alfa e tinha uma frequência de 20 a 30 c/s a que ele chamou Beta. Esta onda ocorria em pessoas que se encontravam acordadas e com os olhos abertos (Berger, 1929).

                        Depois deste estudo o interesse acerca do EEG aumentou e em 1937 Walter identificou a onda Delta (.5 a 4 c/s) e em 1953, o mesmo autor descreveu a onda Teta que tem uma frequência entre 3 a 7 c/s. Estas quatro ondas do EEG são as mais conhecidas e as que até hoje ainda recebem mais investigação. No entanto, hoje o EEG é caracterizado por oito ondas:
  1. 1.      Delta: Tem uma amplitude entre 20 a 200 mV e uma frequência entre 0.5 a 4 c/s. Esta onda é visível durante sono profundo. Quando esta onda se encontra no EEG de adultos acordadas, é indicativo de alguma anomalia cerebral
2.    2.      Teta: Uma onda com uma frequência entre 5 e 7 c/s e com uma amplitude entre 20 a 100 mV. Esta onda é característica nos EEGs de pequenos infantes e encontra-se também em algumas pessoas que fazem meditação.
  1. 3.      Alfa: Esta onda pode ser dividida em Alfa Baixa de 8 a 10 c/s e uma segunda, a Alfa Alta, de 11 a 13 c/s (Goncharova e Davidson, 1995). Ambas com uma amplitude de 20 a 60 mV. Esta onda pode ser produzida por qualquer pessoa quando se encontra numa situação relaxante e com os olhos fechados
4.    4.      Beta: Uma onda irregular com uma frequência de 14 a 30 c/s e com uma amplitude entre 2 a 20mV. Em alguns casos esta onda é subdividida em três níveis: Beta: 12-16 Hz, Beta 1: 16-20 Hz e Beta 2: 20-30 Hz. Esta onda é predominante no EEG quando se está a fazer actividades físicas ou mentais.

5.    5.      Gama: Uma onda com uma frequência alta entre 36 e 44 c/s. Esta onda pode-se encontrar no EEG quando as pessoas estão em estados de alta concentração. No entanto é preciso cuidado com a identificação desta onda pois pode-se confundir com actividade muscular dos músculos no crânio.
6.    6.      Capa: É uma onda que se pode encontrar em algumas pessoas quando estas estão a pensar. Tem uma frequência de 10 c/s.
7.    7.      Lambda: Esta onda aparece na zona do córtex visual e parece ser uma resposta visual a estímulos visuais e em movimento. São do tipo triangular com uma amplitude entre 20 e 50 mV e com uma duração entre 150 a 250 mSeg após o estímulo visual.

8.    8.      Mi: Esta onda tem picos agudos e as partes negativas são arredondadas. Existem em 7% da população e aparecem principalmente sobre o sulco central do Rolando. A sua frequência é entre 9 e 11 c/s.
Durante o sono ainda se podem encontrar mais duas outras ondas:
·         ·        Ondas Fusiformes de Sono: Estas ondas têm uma frequência entre 12 a 14 c/s e uma amplitude cerca de 5 a 100 mV.
·         ·        Complexos K: São ondas no EEG com uma amplitude de 75 mV. Estas ondas, de acordo com Snyder e Scott (1972), são o resultado de actividades cerebrais durante o sono em resposta a estímulos fortes como ruídos ou barulhos.
Apesar de toda esta complexidade e variação o EEG pode fornecer informação muito útil na relação entre comportamento e actividade cerebral. É certamente uma técnica relativamente barata e não é invasiva. Mas uma pergunta que ainda hoje se põem e que ainda desencadeia muita investigação é o que é o EEG? Qual a sua origem?

O EEG?
          
  Existem duas teorias que tentam explicar o que é o EEG: uma de topo para o centro e uma outra do centro para o topo. Esta última é a que tem merecido mais investigação e discussão não só por ser a mais antiga mas também a mais aceite. Esta teoria, proposta durante os anos de 1930, baseia-se na ideia que o tálamo no diencéfalo vibra continuamente e é esta vibração que faz com que o cérebro vibre ciclicamente. Esta teoria baseia-se em toda uma série de investigações feita por Andersen nos anos 60 (Andersen e Andersson, 1968). Ele arrefeceu o córtex de animais e verificou que a amplitude do EEG era reduzida, porém a frequência mantinha-se na mesma. No entanto se o tálamo era arrefecido a frequência do EEG alterava-se enormemente. Uma investigação mais recente feita por Steriade et al (1985) propôs que o núcleo reticulado do tálamo é o centro da vibração cerebral pois cortes feitos nesta zona fez com que o tálamo cessasse de vibrar. Em relação a seres humanos Larson et al (1998) fez uma investigação na qual relacionou a média da actividade do EEG a diversos sítios do cérebro usando a análise TEP. A conclusão que eles chegaram foi que o tálamo era a zona cerebral que mostrava maior actividade metabólica quando as pessoas dessincronizavam ondas Alfa. Quer dizer, a activação do tálamo implica o desaparecimento do Domínio Alfa (Alpha Power) da zona occipital do cérebro quando os participantes se encontravam numa situação de repouso e com os olhos fechados. Uma investigação mais recente por Lindgren et al (1999) usando o TEP e o TRM Estrutural (TRME) não só confirmou os resultados obtidos por Larson, mas verificou também que as pessoas em estados depressivos o aumento metabólico do tálamo não reduziam o seu domínio Alfa. Esta conclusão poderá indicar que a depressão seja associada com uma anomalia do circuito talámico destes indivíduos. Uma proposta que merece mais investigação.
                        
A segunda teoria (à qual chamo do topo para o centro) é proposta por um físico Paul Nunez (1995) e é baseada na ideia que o neocórtex, a parte mais nova do córtex situada no topo dos hemisférios cerebrais, é que afina as oscilações do córtex que por sua vez faz com que o tálamo simplesmente ajuste a sua própria oscilação à oscilação do neocortéx. Nunez baseia esta ideia em investigações feitas por Steriade et al (1976) que descobriram que quando o córtex motor, localizado na parte da frente do sulco central, era estimulado electricamente com períodos pequenos de 10 c/s em cada 2 seg., ao fim de 28 períodos de estimulação o tálamo começou a oscilar espontaneamente com a mesma frequência (10c/s). Portanto, Nunez conclui que a associação da actividade neocortical e a maleabilidade do tálamo em mudar a sua frequência faz com que o tálamo e o cérebro igualizem as suas oscilações que depois são apanhadas pelo EEG.
                       
Presentemente assiste-se ao desenvolvimento de uma terceira ideia proposta por László Détári (2000) que sugere que o sistema colinérgico do cérebro como o ante-cérebro basal (basal forebrain), é que controla a activação do neocórtex, pois o bloqueio do ante-cérebro basal com atropina induz o aparecimento de ondas largas e lentas no EEG.
                      
  Portanto, como se pode ver, a origem do EEG ainda é um daqueles segredos que o cérebro ainda não quer revelar. No entanto o que já se sabe dá a possibilidade de se identificar toda uma série de problemáticas e controle de comportamentos. A sua medição é feita de uma maneira relativamente simples e sem ser necessário penetrar no crânio.

            Medição do EEG
                        
Para se poder medir a actividade cerebral é necessário que uma série de eléctrodos sejam colocados em certos sítios na cabeça do organismo, obedecendo a um esquema sugerido por Herbert Jasper em 1958 e aceite no mundo inteiro que é o Sistema Internacional 10-20. Os valores 10 e 20 referem-se a percentagens de separação entre cada sítio em relação a pontos de referência básicos. Estes são a raiz do nariz (nasion), a protuberância occipital na base de trás do crânio (inion) e os pontos pre-auriculares localizados na raiz da hélix externa da orelha. Os sítios são referenciados por letras O, P, T, C e F, que correspondem a pontos localizados no O = Occipital, P = Parietal, T = Temporal, C = Central e F = Frontal do crânio. Para se poder identificar o lado direito do lado esquerdo da cabeça, usam-se números impar no lado esquerdo do crânio, e pares no lado direito. O z refere-se a pontos ao longo do crânio e na zona central (z = zero). Por exemplo, para se poder encontrar o ponto O1, primeiro mede-se a distância total entre a raiz do nariz e a protuberância occipital. O ponto O1 é depois identificado quando se mede 10% desta distância total partindo da direcção da protuberância para a raiz do nariz no lado esquerdo do crânio. Para se obter o P3 mede-se mais 20% da distância a partir do O1. No entanto, já se pode obter toucas de diversos tamanhos com eléctrodos posicionados nos pontos certos. A colocação de uma destas toucas na cabeça do participante/cliente faz com que os eléctrodos sejam imediatamente posicionados nos sítios certos.

                        Depois de colocar os eléctrodos na cabeça da pessoa, é necessário que a actividade cerebral seja gravada ou em papel ou em fita magnética. Isto é feito amplificando o sinal obtido dos eléctrodos usando dois tipos de montagem: unipolar/referencial ou bipolar. O sistema unipolar consiste na colocação de eléctrodo/s no ponto/s que se está interessado em investigar tendo como referência um outro ponto que não tenha EEG, que por norma é o lóbulo da orelha. Porém, é preciso ter cuidado com este tipo de montagem pois o ponto de referência pode apanhar EEG derivado do lobo temporal do cérebro. A grande vantagem deste tipo de montagem é que é possível fazer comparações do EEG entre diversos pontos, e assim poder reconhecer actividade cerebral relacionada com estímulos específicos, ou durante a gravação de PERs. A montagem bipolar compara a actividade cerebral entre dois pontos, como por exemplo P4 e O2. Por norma, a actividade comum entre estes dois pontos é subtraída e o que se grava é a diferença, o que implica que alguma informação é perdida. No entanto a grande vantagem deste tipo de montagem é que é mais fácil identificar ocorrências especializadas tais como picos de actividade entre cada lado do cérebro, tais como na detecção de anomalias. Nestas situações, é aconselhável fazer montagens bipolares pois assim se pode comparar áreas cerebrais, que faz com que a presença ou não de assimetria no EEG entre os dois lados do cérebro poder indicar aspectos de interesse clínico. 

                        A interpretação do EEG é feita tendo por base a frequência, amplitude e morfologia da onda gravada. Esta última é baseada na amplitude e frequência de cada onda no EEG. Se a onda tem uma morfologia com uma frequência inferior a 70 mseg chama-se um espigão (spike), mas se esta for entre 70 e 200 mseg já se chama onda pontiaguda (sharp wave). Quando uma onda sobressai ou é bastante diferente das ondas obtidas num período de tempo no EEG chama-se transitória (transient).  Quando duas ou mais ondas aparecem no EEG por certos períodos de tempo e com certos intervalos e durações chama-se um complexo (complex). Este pode ser monomórfico (monomorphic complex) quando o período do EEG tem ondas com a mesma frequência e amplitude, ou polimórfica (polymorphic complex) quando as ondas são diferentes. Cada onda pode ser também analisada em relação à sua oscilação (positiva quando a oscilação vai para baixo ou negativa quando esta vai para cima). Se o EEG não tem oscilação a onda chama-se não-fásica (nonphasic), mas se esta tiver duas oscilações já se chama difásica (diphasic). As oscilações podem ser também trifásicas (triphasic) e polifásicas (polyphasic). No entanto, hoje, e na maioria dos casos, esta análise do EEG é feita por sistemas informáticos o que por um lado facilita a identificação de ocorrências de ondas ou picos que podem apontar actividades cerebrais com interesse tanto no campo clínico como na investigação, e por outro lado deu origem a uma nova área de EEG que se chama EEG Quantitativo (EEGQ). [Vá a estes portais para mais informação: “QEEG and EEG Biofeedback” , “Introduction to EEG and QEEG”.] Este tipo de análise começou a ser desenvolvido nos anos 1970’s e F. Lopes da Silva (Lopes da Silva et al 1972) foi um dos primeiros a usar o EEGQ na Europa assim como T. Mulholland (Mulholland & Gascon, 1972) nos EUA. As áreas nas quais o EEGQ está a ser usado é variado e aumenta continuamente mas já começa a ser uma técnica de rotina no estudo de anomalias de afeição, pensamentos, aprendizagem, e atenção; em desordens psicológicas como esquizofrenia ou demência, e em ofensas cranianas ou neurológicas. Ultimamente o EEGQ tem sido uma técnica aplicada na identificação de diferenças neurobiológicas em pessoas com Disfunções de Stress Pós-Trauma (DSPT). Um estudo recente por Begic et al (2001) em 18 veteranos de guerra verificou que estes, em relação a um grupo de 20 veteranos sem este problema, tinham Beta 1 (13,5 e 18 Hz) mais predominante na zona central, frontal e no occipital esquerdo, e que Beta 2 (18,5 e 30 Hz) era predominante na zona frontal da cabeça. Eles sugeriram que este aumento de Beta 1 e 2 nos veteranos com DSPT talvez fosse devido a um aumento do nível de excitação, de um estado contínuo de alerta e de deficiências de atenção destes, como já tinha sido apontado por Casada et al em 1998.
          
  Conclusão
                      

  Portanto, como se pode ver o EEG é uma das técnicas da Psicofisiologia que tem uma enorme relevância na identificação das mais variadas anomalias ou comportamentos humanos. A sua evolução em termos de qualidade de análise e gravação faz com que seja considerado como sendo uma ‘janela’ ao cérebro. É uma técnica que não requer muita tecnologia e pode-se treinar uma pessoa a usá-la num espaço de tempo pequeno. Tem ainda a grande vantagem de não ser invasiva e é económica. A sua resolução rápida e a consistência dos seus resultados são de enorme ajuda na identificação de eventos cerebrais rápidos e complexos como os processos cognitivos. Contudo a sua maior deficiência é ainda na sua incapacidade de apontar a fonte da actividade cerebral no cérebro e da sua resolução espacial do cérebro ser muito inferior a outras técnicas mais recentes como o TEP.


         Referências

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Casada, J.H., Amdur, R., Larsen, R., & Liberzon, I., 1998. “Psychophysiologic responsivity in post-traumatic stress disorder:generalized hyper-responsiveness versus trauma specificity” Biological Psychiatry 44, 1037-1044.
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