INSTITUTO SUPERIOR TÉCNICO DE ANGOLA
(ISTA)
DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAS E
HUMANAS
METODOLOGIA DE INVESTIGAÇÃO
CIENTÍFICA
A VIOLENCIA DOMESTICA E SUAS
CONCEQUENCIA NO GERAL
Autora: Ana Francisco Panzo
1º Ano
Período: Tarde
Sala: 01
Orientador: Prof. MSc. Nanikutonda M. L. dos
Santos
LUANDA, 2017
DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS SÓCIAS E
HUMANAS
METODOLOGIA DE INVESTIGAÇÃO
CIENTÍFICA
A VIOLENCIA DOMESTICA E SUAS
CONCEQUENCIA NO GERAL
Autora: Ana Francisco Panzo
Orientador: Prof. MSc. Nanikutonda M. L. dos
Santos
LUANDA, 2017
TERMO DE APROVAÇÃO
Ana Francisco
Panzo
Estudo sobre a violencia domestica e suas concequencia no
geral
Júri
Presidente___________________________ :
Assinatura______________________________
1º Vogal ____________________________:
Assinatura______________________________
2º Vogal: Prof.
MSc. Nanikutonda M.L. Santos: Assinatura___________________________
Secretario: ___________________________:
Assinatura ____________________________
CLASSIFICAÇÃO:
__________________________________________________________
DATA DA DE
DEFESA_____________/_____________________/____________________
DEDICATÓRIA
Dedico a todos
que me apoiaram, que aceitaram apoiar-me ao longo do tempo, e facilitam a
concretização dos meus objectivos pretendidos, que aceitaram o diálogo sobre as
suas experiências de vida.
Especialmente
aos meus Pais, pelo apoio directo que têm prestado em mim. E
particularmente pela paciência e o poio dos meus colegas, por colaborarem
comigo no processo da formulação deste trabalho de investigação. Sem a
compreensão nos momentos de ausência familiar, sem os seus alentos nas horas de
perplexidade e de indecisão não seria possível traçar estas linhas que agora
vêm á luz.
AGRADECIMENTOS
Agradeço a todos
os que directa ou indirectamente contribuíram para que esta trabalho se
tornasse realidade, quer pessoalmente, quer profissionalmente, quer
academicamente.
Pessoalmente à
minha família e amigos, em especial à minha Mãe por me ter incentivado e
apoiado a estudar. Academicamente a todos os colegas e professores do curso de
Psicologia do ISTA, pela generosidade e amizade que têm demonstrado em mim ao
longo desta caminha científica.
RESUMO
Na
temática deste trabalho abordaremos intrinsecamente sobre a violência doméstica
que por sua vez abarca comportamentos utilizados num relacionamento, por uma
das partes, sobretudo para controlar a outra. As pessoas envolvidas podem ser casada
ou não, ser do mesmo sexo ou não, viver juntas, separadas ou namorados. Todos
podemos ser vítimas de violência doméstica. As vítimas podem ser ricas ou
pobres, de qualquer idade, sexo, religião, cultura, grupo étnico, orientação
sexual, formação ou estado civil. No entanto ao desenvolvimento do conteúdo
poderemos explicar as razões e algumas determinações sobre a violência
doméstica. A violência doméstica é um problema universal que atinge milhares de
pessoas, em grande número de vezes de forma silenciosa e dissimuladamente.
Trata-se de um problema que atinge ambos os sexos e não costuma obedecer nenhum
nível social, económico, religioso ou cultural específico. Este tipo de
problema é complexo e seu enfrentamento necessita a composição de serviços de naturezas
diversas, demandando um grande esforço de trabalho em rede. A integração entre
os serviços dirigidos ao problema, entretanto, é difícil e pouco conhecida,
ficando afastada ou diminuta em cidades.
Palavras-chaves: Conceito família, parentesco, violência
doméstica, adolescência, maltrato, violações, agentes de socialização.
Sumário
INTRODUÇÃO
A história actual das sociedades regista um fenómeno
social que já conquistou o seu espaço no centro das preocupações das Instituições
sociais dos Estados como também das sociedades em si, como as Igrejas, as
organizações não governamentais, as associações, etc. A violência doméstica não
é de facto um elemento novo na história das sociedades, enquanto acontecimento
que resulta do desentendimento intra-conjugal.
Porque em toda e em qualquer sociedade admite-se
potencialmente algum conflito, dado que cada indivíduo exprime nas suas acções
a sua idiossincrasia. E, neste sentido, haverá algum momento em que os
interesses das pessoas não coincidem e então surge o conflito. Um conflito que
pode terminar simplesmente em divórcio, no caso de pessoas casadas. Mas o
conflito familiar que se assiste em Angola como no mundo em geral torna-se novo
na maneira como se apresenta. Ora, este facto suscita em qualquer investigador
inquietação para melhor compreensão das causas acrescentadas aos factores antes
vividos.
Assim, o presente trabalho de investigação se
orienta para uma pesquisa sociológica e psicológica no sentido de se examinar
as possíveis causas e factores sociais intrínsecos a este fenómeno.
Essa pesquisa abarca todas as facetas que envolvem o
ser humano enquanto ser social, inserido num contexto histórico-cultural. E a
pesquisa a realizar vai se orientar para a preocupação de compreender o
fenómeno violência doméstica. Assim, o que se propõe é fazer uma investigação
de carácter científico que contribua não só para a tomada de medidas pelas
autoridades competentes para atenuar o problema, mas também que seja útil para
estudos posteriores no âmbito da pesquisa psicológica.
A superioridade ocupada
pelo homem em nossa sociedade implica, contudo, em um ónus que este acaba
pagando por tais privilégios. Assim como a mulher, ele não têm o direito de
escolha do papel a ser desempenhado socialmente, tendo que ser o provedor do
lar, terminando mutilado em sua possibilidade de desenvolver a sensibilidade e
a capacidade de realizar actividades relacionadas ao mundo doméstico.
Percebe-se, assim, que tais modelos ideológicos trazem consequências negativas
para ambos os sexos, uma vez que os impossibilita de vivenciar suas
potencialidades de maneira integral sendo este como uma das possíveis causas da
violência doméstica.
Em Angola, assim como em outros países
do Mundo, têm demonstrado um número elevado de casos de violência doméstica. Os
crimes de violência, só têm penas mais severas quando são de maior gravidade,
como no caso de assassinato, tentativa de homicídio ou estupro, mas em geral.
FORMULAÇÃO DO PROBLEMA
·
O
que é a violência doméstica?
·
Quais
são as suas causas?
·
Que
consequências trás a violência doméstica para a sociedade?
·
O
que é a violência contra a mulher?
·
Porquê
muitas mulheres sofrem caladas?
HIPÓTESES
A
violência doméstica está presente em todos os meios sociais, manifestando-se de
várias maneiras. Existe na sociedade uma cultura machista, onde o homem manda
na mulher, ela é vista como um objecto, ou
seja, ainda temos uma cultura da dominação do home sobre a mulher.
É verdade que algumas drogas podem desencadear
noutras reacções violentas ou comportamentos agressivos nalguns indivíduos.
Acreditar
que as mulheres vítimas de violência são masoquistas é ignorar que o problema é
muito complexo para ser reduzido a tal conclusão. Entre as dinâmicas próprias
do casal e as dificuldades sociais com que se debatem as mulheres vítimas
quando decidem a ruptura conjugal, muitas razões para a sua permanência na
relação podem ser encontradas, dependendo de caso para caso. se uma pessoa
consome drogas sabendo que podem tornar-se violentas ou que podem, por isso,
vir a agredir o(a) companheiro(a), então trata-se de violência doméstica e a
pessoa é responsável pelas suas acções. Ameaças, perseguições, agressões
físicas e sexuais constituem crime.
OBJECTIVOS
Geral
O objectivo geral deste trabalho é explicar
a violência doméstica e verificar porque existe um elevado número de casos a
nível mundial, identificando os elementos propiciadores desse facto.
Específicos
1.
Reconhecer e descrever as principais causas que tem
levado ao aumento dessa violência.
2.
Mostrar as consequências e possíveis soluções da
violência doméstica.
3.
Comparar a cidade de Angola a outros Estado,
mostrando e buscando entender porque existe diferença na quantidade de casos.
IMPORTÂNCIA DO ESTUDO
Diante
destes factos percebe-se a necessidade de pesquisas e estudos sobre a
deficiência deste sector a nível global.
DELIMITAÇÃO DO PROBLEMA
A
violência doméstica não pode ser vista como um destino que um individuo tem que
aceitar passivamente. O destino sobre a sua própria vida pertence-lhe, deve ser
ele a decidi-lo, sem ter que aceitar resignadamente a violência que não a
realiza enquanto pessoa.
RELEVÂNCIA DO ESTUDO
O trabalho apresenta
definições e conceitos que serão utilizados no desenvolver do estudo com o
intuito de clarear o assunto tratado.
ESTRUTURA DO TRABALHO
Este trabalho de pesquisa está estruturado em 3
(três) capítulos:
O primeiro capítulo - família e violência, trato a
primeira questão, para o que entendo ser conveniente dividir, concepção de
família, parentesco e linhagem, conceito de violência doméstica, tipos de
violência doméstica e diversos, para começarmos a ter noção daquilo que
pretendemos tratar.
Em seguida, no capítulo II – visemos menção do papel
dos agentes de socialização ante a violência doméstica: noção de agentes de
socialização, o lugar da família e da escola, família e protecção social.
E por fim, no capítulo III – falei da metodologia e
a natureza da pesquisa, onde mencionei o método da investigação e a natureza da
pesquisa. Mas para finalizar o trabalho, achei conveniente deixar a minha sugestão.
CAPITULO I - FAMÍLIA E VIOLÊNCIA
1.1– Concepção de Família
O conceito, a estrutura e a função de família não é
idêntica para todos os povos e culturas. Pois, “a diversidade de modelos
familiares, ao longo dos tempos e nas diferentes culturas, torna difícil
atingirmos um consenso de definição única da família, mesmo que,
intuitivamente, todos tenhamos em mente uma concepção e até uma atitude básica
em relação a ela. Na verdade, o conceito de família não é um conceito unívoco
para todas as épocas e culturas, pelo que podemos apreciar substanciais
diferenças transculturais entre os membros da família que sentem parte dela,
assim, como nos papéis e funções esperados de cada um e da família no seu todo.
Em Angola, como é em geral em África, a família,
sobretudo entre os povos bantos, é considerada ponto de referência de todas as
relações entre as pessoas em todas as dimensões da vida. O sistema de
parentesco neste continente (sobretudo entre os povos banto) estende-se para
além da consanguinidade e da afinidade. E portanto, a rede de parentesco é
muito extensa. O banto não pode viver sem família nem clã, os dois grupos
primários, fundamentais e vitais que dão sentido e consistência á sua vida. Não
se pode conceber nem explicar o indivíduo banto isolado de uma comunidade.
Mas, olhando para os vários postulados expostos por
diferentes autores, considerasse que, em sentido lato, a família compreende
todas as pessoas ligadas por vínculos de casamento, parentesco, afinidade e
adopção. E em sentido restrito, a família engloba o pai, a mãe, e os filhos. È
a família nuclear que, normalmente é constituída pela família conjugal. Num
sentido intermédio, a família é o grupo de pessoas que vivem debaixo do mesmo
tecto, é a família lar.
1.1.1 – Parentesco e Linhagem
Parentesco é o conjunto de relações entre pessoas
que se consideram aparentadas por consanguinidade real, fictícia ou putativa.
No caso africano em geral, e angolano em particular, o parentesco é muito mais
amplo e estende-se para além da consanguinidade, pois em Angola são aparentadas
não só as pessoas que se unem pelo sangue mas também através do casamento.
Porque “o banto goza de uma comunidade muito ampla que lhe proporciona o
deleite de viver sempre em família. As diversas famílias alargadas formam uma
densa rede totalizante que á base de comunidades e solidariedades, estrutura a
sociedade que se compraz em ser essencialmente comunitária”. Desta feita, todos
elementos da comunidade relacionam-se como parentes. Tratam-se indefinidamente
como Avós, pais, filhos, irmãos, tios, sem muitas vezes atenderem ao grau de
proximidade deste parentesco. Trata-se da atitude eivada de grande consideração
pelo familiarismo, resultante de pressupostos da dependência colectiva e de
grande sociabilidade próprios da cultura africana bantu.
1.2- Conceito De Violência Doméstica
O conceito de violência pode reportar-se a qualquer
facto, seja ele uma actuação (facto humano e voluntário), um mero facto humano
(facto humano involuntário) ou um facto natural (não humano). Com efeito, é tão
possível afirmar que uma tempestade é violenta, como é possível afirmar que o
comportamento de determinada pessoa é violento, independentemente de tal pessoa
o praticar consciente e voluntariamente ou não.
Em todo o caso, o conceito de violência que releva
para esta dissertação é a praticada consciente e voluntariamente pelo ser
humano contra outro ser humano. Por este motivo, restringe-se desde já o
conceito de violência nestes termos, ressalvando-se que o comportamento
violento pode ter carácter activo ou omissivo.
A violência caracteriza-se por implicar uma ofensa à
saúde daquele que dela for alvo, entendendo-se saúde como o complexo de
bem-estar físico, mental e social. Por conseguinte, qualquer atitude de que
possa razoavelmente esperar-se um prejuízo para a saúde de outra pessoa pode integrar
o conceito de violência.
A violência doméstica é um fenómeno que tem
assumido, por todo o mundo, proporções bastante elevadas e que só foi
denunciado a partir dos anos 60/70 pelos movimentos feministas. Considera-se
violência doméstica “qualquer acto, conduta ou omissão que sirva para infligir,
reiteradamente e com intensidade, sofrimentos físicos, sexuais, mentais ou
económicos, de modo directo ou indirecto (por meio de ameaças, enganos, coacção
ou qualquer outro meio) a qualquer pessoa que habite no mesmo agregado
doméstico privado (pessoas crianças, jovens, mulheres adultas, homens adultos
ou idosos a viver em alojamento comum) ou que, não habitando no mesmo agregado
doméstico privado que o agente da violência, seja cônjuge ou companheiro
marital ou ex-cônjuge ou ex-companheiro marital”.
É um fenómeno bastante complexo e composto por
diversos factores, sejam eles, “sociais, culturais, psicológicos, ideológicos,
económicos, etc. Ao contrário daquilo que se possa pensar, este flagelo social
é já de longa data. De acordo com o Plano Nacional Contra a Violência
Doméstica, esta prática atravessa os tempos e tem características similares em
países cultural e geograficamente distintos e, com diferentes graus de
desenvolvimento.
Assim, considera-se um fenómeno antigo, mas só
recentemente se tornou um problema social. Isto, porque há actualmente uma
maior sensibilidade e intolerância social face à violência. Depois, também
porque algumas organizações governamentais e não governamentais, intervieram no
sentido de conferir maior visibilidade ao problema; a comunicação social também
tem centrado a sua atenção nesta divulgação. Infelizmente, a violência
doméstica faz parte da experiência de muitos lares.
1.2.1- Tipos De Violência Doméstica
A violência doméstica abrange múltiplas formas de
violência que atingem os cônjuges ou companheiros.
Existem
vários tipos de violência doméstica:
Ø Violência física (bofetadas, pontapés,
murros, empurrões, arranques de cabelo, lançamento de objectos contundentes,
estrangulamento, fustigarão com cintos ou correias, produção de impedimentos
temporários de respiração);
Ø Violência psíquica (humilhações,
provocações, molestações, ameaças, insultos, injúrias, condutas vexatórias,
comportamentos possessivos, isolamento, privação de convívio com familiares e
amigos, destruição de objectos pessoais);
Ø Violência económica (negação de acesso
ao dinheiro, negação do direito de trabalhar, negação de frequentar cursos e de
ter acesso à educação em geral); Violência espiritual (negação de valores e
crenças culturais ou religiosas ou obrigação de aceitação de determinadas
crenças ou valores de ordem religiosa ou cultural);
Violência estrutural (referida à generalizada
desigualdade de poder entre os sexos sustentada nas diferenças biológicas
existentes entre homens e mulheres e no seu reflexo quer ao nível familiar - na
exigência, por exemplo, de esforço desmedido e desigual nas lides domésticas,
quer ao nível social - no plano laboral, por exemplo, quanto à desigualdade de
oportunidades, ou no plano comunicacional, por exemplo, quanto à promoção e
perpetuação de papéis estereotipados atribuídos a uns e outras).
Face ao exposto, e para efeitos deste trabalho, a
violência doméstica configura-se como a adopção por uma pessoa de
comportamentos violentos contra outra pessoa, com quem mantém ou manteve uma
relação de maior intimidade ou proximidade. Tais comportamentos têm de traduzir-se
numa afectação ou num perigo de afectação da saúde do seu destinatário,
entendido o conceito de saúde em qualquer das suas vertentes, e na constituição
ou manutenção para a vítima de uma situação de dependência face ao agressor.
Apesar deste enquadramento, impõe-se mencionar
alguns aspectos, reveladores de alguma complacência do legislador penal de 1852
relativamente à violência ocorrida entre cônjuges, especialmente a exercida
pelo homem sobre a sua mulher. De facto, eram despenalizados, nalguns casos, o
homicídio ou as ofensas corporais, se fossem praticados contra o cônjuge
apanhado em adultério, contra o adúltero ou contra ambos. De igual modo, e no
que concerne ao crime de estupro ou violação, além de não serem considerados
ilícitos, mas antes normais, quando praticados pelo marido sobre a mulher,
também não seriam puníveis se o homem que os praticasse casasse com a vítima.
E no que tange aos tipos de violência doméstica mais
frequentes são os seguintes crimes: ofensas corporais, onde as mulheres e
crianças são as principais vítimas; crimes passionais; casos de feitiçaria;
Incestos, geralmente de padrastos para enteadas e de filho para a mãe;
agressões físicas; abuso sexual com as crianças como as principais vítimas;
trabalho infantil; privação das crianças do direito a assistência; abandono de
menores; a fuga a paternidade; atentado ao pudor; comportamentos negativos (ex.
sobas que se casam com menores de idade, por imposição).
1.2.2- As Formas de Violência Doméstica
A violência doméstica toma várias formas em função
das motivações, interesses da pessoa que a provoca e ainda em função do nível
das pessoas vítimas de violência. Assim, partindo deste pressuposto, pode-se
falar de várias formas de violência doméstica (tendo em conta a extensão do conceito)
como a violência contra os irmãos, contra os pais, etc., mas, para esta
investigação aborda-se a violência mais vulgar e mais visível e, em função das
vítimas designa-se: violência sobre as crianças, violência intra-conjugal e
violência sobre os idosos.
Na verdade, a violência no contexto familiar faz
parte integrante da experiência de muitos lares, o que tem levado vários
autores desta temática a considerarem que a casa é na realidade um dos lugares
mais perigosos das sociedades modernas. E nesta perspectiva, os mais atingidos
por esta violência têm sido as crianças, as mulheres e os idosos, dadas as
situações de grande fragilidade e vulnerabilidade social em que se têm
encontrado. Na realidade, estas camadas da sociedade, sobretudo em Benguela,
estão mais expostas aos actos de violência não só porque quase sempre estão
desprovidas de recursos próprios para a satisfação das suas necessidades
básicas, mas também porque a sua condição física é volúvel e permanentemente
carecem de protecção dos seus dependentes.
Por isso se pode dizer que, a violência doméstica é
múltipla no sentido em que atinge vários elementos da família. Muitas vezes, o
pai agride a mãe e os/as filhos/as; a mãe, por sua vez, por vezes, é também
agressora dos filhos (as); entre si, os irmãos agridem-se com frequência, etc.
No caso de Benguela, são assustadores os níveis de violência contra as crianças,
contra os idosos e contra a própria mulher, o que tem preocupado as autoridades
e a própria sociedade, sendo que todos têm sido levados a se interrogar para
encontrar as possíveis explicações sobre tal fenómeno.
1.2.3- Formas De Violência Contra A Mulher
Quanto às formas de violência contra a mulher, as
mais comuns são a física, que é o acto de provocar lesões corporais
possivelmente diagnosticáveis, tais como cutâneas, neurológicas, oculares e
ósseas, provocadas por queimaduras, mordidas, tapas, espancamentos, ou qualquer
acção que ponha em risco a integridade física da mulher. Outra forma de
violência praticada contra a mulher é a sexual, que corresponde a qualquer
forma de actividade e prática sexual sem seu consentimento, com uso de força, intimidações,
chantagens, manipulações, ameaças ou qualquer outro mecanismo que anule ou limite
a vontade pessoal, como, por exemplo, forçar a prática de actos sexuais que lhe
desagradem ou criticar seu desempenho sexual, e até obrigá-la a ter relações
sexuais com outras pessoas.
A violência emocional ou psicológica é evidenciada
pelo prejuízo à competência emocional da mulher, expresso através da tentativa
de controlar suas acções, crenças e decisões, por meio de intimidação,
manipulação, ameaças dirigidas a ela ou a seus filhos, humilhação, isolamento,
rejeição, exploração e agressão verbal. Sendo assim, é considerado violento
todo ato que cause danos à saúde psicológica, à autodeterminação ou ao desenvolvimento
pessoal, como por exemplo, negar carinho, impedi-la de trabalhar, ter amizades
ou sair de casa. São actos de hostilidade e agressividade que podem influenciar
na motivação, na auto-imagem e na auto-estima feminina.
Outro tipo de violência é a patrimonial, que resulta
em danos, perdas, subtracção ou retenção de objectos, documentos pessoais, bens
e valores da mulher. Esta forma de violência pode ser visualizada através de
situações como quebrar móveis ou eletro domésticos, rasgar roupas e documentos,
ferir ou matar animais de estimação, tomar imóveis e dinheiro, ou, até, não
pagar pensão alimentícia.
No que se refere à violência psicológica, o
isolamento é uma de suas principais formas de manifestação. Nesta prática, o
homem busca, através de acções que enfraqueçam sua rede de apoio, afastar a
mulher de seu convívio social, proibindo-a de manter relacionamentos com familiares
e amigos, trabalhar ou estudar. O objectivo primário do isolamento social é o controlo
absoluto da mulher, já que, ao restringir seu contacto com o mundo externo, ela
dependerá ainda mais de seu parceiro, tornando-se submissa a ele.
As primeiras tentativas do homem para efectuar o
isolamento da mulher se dão por meio da manipulação, arranjando situações como,
por exemplo, marcar outros compromissos para impedi-la de ir a reuniões
familiares ou de amigos, ou por meio de acusações de não estar cuidando bem da
casa ou dos filhos. Quando a manipulação não funciona, o agressor recorre ao
despotismo, dando ordens expressas do que ela deve ou não fazer e, por fim,
apela para a intimidação, ameaçando espancá-la, quebrar seus pertences ou
matá-la.
Os períodos em que estão longe do marido são aqueles
considerados de maior tranquilidade para a mulher, e são proporcionados,
geralmente, por seu emprego, ou quando ele sai para trabalhar. O trabalho, para
muitas mulheres, constitui-se em uma válvula de escape. Nele ela se sente
importante e respeitada. Para aquelas que exercem apenas a função de
dona-de-casa, a saída do parceiro representa momentos de liberdade, nos quais
ela poderá assistir a seus programas preferidos, falar com amigos ao telefone e
fazer suas actividades sem maiores cobranças. Esta tranquilidade, no entanto,
acaba antes mesmo do marido retornar, já que a tensão se inicia até mesmo com a
lembrança, com a expectativa de sua chegada. A partir do momento de sua
chegada, a casa passa a girar em torno das vontades dele.
Quando há uma dependência financeira da mulher em
relação ao homem, seja pelo fato de ter se submetido à proibição de trabalhar
imposta por ele, ou mesmo pela dificuldade ou comodidade de não ter um emprego,
esta se torna obrigada a recorrer ao marido, sempre que necessitar de dinheiro,
situação que favorece a violência, pois, em muitos casos, o homem utiliza seu
poder económico como forma de ameaçá-la e humilhá-la. Ressalta-se que a
violência psicológica, através de ameaças, é dirigida tanto à mulher como a
outros membros da família, fazendo-se por meio de promessas de agressões e
gestos intimidativos. Uma característica comum àqueles que praticam este tipo
de violência é a habilidade de encontrar o ponto fraco da mulher, que, em
muitos casos, são os filhos, utilizando-os como alvo todas as vezes que desejar
feri-la.
A violência física, em toda sua enormidade e horror,
não é mais um segredo. Porém, a psicológica, em função de não envolver danos
físicos ou ferimentos corporais, ainda se mantém num canto escuro do armário,
para onde poucos querem olhar. Apenas muito recentemente, nota-se um movimento
em direcção à conscientização e reacção por parte de algumas mulheres,
confrontando esta modalidade sutil de violência perpetrada pelos homens com a
conivência da sociedade machista.
É fundamental destacar que todo ato de agressão
física é precedida de um histórico de violência psicológica que, por
expressar-se de maneira menos perceptível, acaba não sendo facilmente
identificada pelas mulheres. Muitas vezes, inicia-se com uma pequena
reclamação, mas, repentinamente, esta é substituída por ofensas, inchamentos,
atingindo seu ápice com as agressões físicas.
1.2.3.1- Características Da Violência Doméstica Contra A Mulher
A violência psicológica se caracteriza por
comportamentos sistemáticos que seguem um padrão específico, objectivando
obter, manter e exercer controlo sobre a mulher. Tem início com as tensões
normais dos relacionamentos, provocadas pelos empregos, preocupações
financeiras, hábitos irritantes e meras diferenças de opinião. Nestes tipos de relacionamentos,
as tensões aumentam, começando então uma série de agressões psicológicas, até
chegarem às vias de fato. Em contrapartida, nos relacionamentos não violentos,
as pessoas discutem sobre as tensões ou as ignoram, e estas tendem a diminuir.
A autora citada considera que as interacções
violentas de um casal estão vinculadas ao aumento de tensão nas relações de
poder estabelecidas e que a relação de dominação e subordinação necessita ser
confirmada. A situação de violência pode ser, então, uma tentativa de restaurar
o poder perdido ou nunca alcançado, ou ainda confirmação da identidade.
Azevedo (1985) apoia-se em Gregori para enunciar
dois grandes factores responsáveis por tais condições de violência: constituem
o primeiro o factores condicionantes, que se referem à opressão perpetrada pelo
sistema capitalista, pelo machismo e pela educação diferenciada; o segundo factor
é formado pelos precipitantes como álcool e drogas ingeridos pelos agentes nos
episódios de violência, além do estresse e cansaço, que podem desencadear o
descontrole emocional e os actos agressivos.
Segundo Miller (1999), por mais que a sociedade
estabeleça estereótipos para o homem agressivo – como rude, de classe social
inferior, grosseiro, valentão na aparência e nas atitudes – não há um perfil
único. Assim, um homem que em sociedade pode parecer acima de qualquer
suspeita, pode, muito bem, ser um agressor na relação conjugal.
Miller (1999) cita ainda a lista de características
que os distinguem, elaborada por Boyd e Klingbeil, que incluem, dentre outras,
pessoas com fraco controlo do impulso, apresentando necessidade de satisfação
imediata e insaciáveis necessidades do ego; dependência emocional; frequentes
quadros de estresse, mas, geralmente, bem dissimulados; baixa auto-estima;
ciúmes excessivos, que os levam a uma vigilância demasiada da parceira e repetidas
promessas de mudança.
Estas constantes promessas de mudança dão à
violência um carácter cíclico, traduzidos por momentos intercalados de
agressões e amor, fato que contribui para que a mulher permaneça durante anos
vivenciando uma relação violenta. Por esta razão, é importante que a mulher
conheça as especificidades do ciclo em que está envolvida, a fim de encontrar
meios de sair da situação (MILLER, 1999).
Walker (1979 apud AGUIAR, 2002) aponta três fases
distintas, constituintes do ciclo da violência, as quais variam tanto em
intensidade como no tempo, para o mesmo casal e entre diferentes casais, não
aparecendo, necessariamente, em todos os relacionamentos. A primeira fase é de
construção, em que ocorrem incidentes verbais e espancamentos em menor escala,
como chutem e empurrões. Nesse momento, as vítimas, usualmente, tentam acalmar
o agressor, aceitando a responsabilidade pelos problemas dele, esperando, com
isso, ganhar algum controle sobre a situação e mudar seu comportamento. A
segunda fase é caracterizada por uma incontrolável descarga de tensão, sendo a
mulher espancada, independente de seu comportamento diante do homem, que
utiliza armas e objectos para agredi-la. Já a terceira fase corresponde a uma
temporária reconciliação, que é marcada por um extremo amor e comportamento
gentil do agressor, que tem consciência de ter exagerado em suas acções e, subsumindo-se
no arrependimento, pede perdão, prometendo controlar sua raiva e não feri-la novamente.
1.2.4- Violência Doméstica E Justiça: A Ausência De Tradição Legal
Histórica e legalmente aos homens foi conferido o
direito de controlar e exercer poder sobre as mulheres e as crianças. Encaradas
como propriedade ou como fonte de trabalho e rendimento para a família, a lei
via-as como categorias sociais dependentes, desprovidas de direitos. Esta
herança cultural e legal, assente em séculos de dominação sócio-económica e
ideológica, não só assegurou a prevalência do poder masculino no lar, como afectou
dramaticamente a posição das mulheres e das crianças na sociedade, na lei e nas
instituições legais (Micklow, 1988:408). As referências ao papel submisso das
mulheres são de longa data e encontram-se, por exemplo, na literatura grega (a
mulher deve ser discreta, não deve discutir com o homem, nem falar primeiro) e
na própria lei romana que tolerava o homicídio conjugal no caso de elas serem
adúlteras, alcoólicas ou na presença de outros comportamentos inapropriados
(Steinmetz, 1987:726; Dias, 2004a:68).
A violência contra as mulheres é um aspecto comum no
casamento, desde os tempos medievais. A doutrina de cobertura influenciou
profundamente o seu estatuto, considerando as mulheres casadas como sendo
legalmente inexistentes. De acordo com tal princípio, através do casamento, as
mulheres perdiam a sua identidade legal individual, passando a constituir,
juntamente com os maridos, uma entidade legal única, cujo representante era o
homem. O referido princípio conduziu a inúmeras anomalias legais, fazendo com
que os homens fossem responsáveis pelas condutas e os actos das mulheres e
legitimando o direito deles as punirem e violentarem (Micklow, 1988:408).
Tradicionalmente a lei também isenta os homens do
crime de violação no contexto da conjugalidade. A noção de que o contrato de
casamento legitima todo o tipo de actos sexuais, inclusive os que são violentos
e fisicamente forçados, ainda continua a estar presente no universo representacional
e legal dos nossos dias. Não só é verdade que ao casar o homem obtém uma
espécie de imunidade à acusação de violação, como também parece ser verdade que
as pessoas têm menos tendência para condenar os comportamentos sexualmente
violentos se eles forem praticados contra a mulher com quem se está casado e
não contra outra mulher qualquer.
1.2.5- Violência Contra os Idosos
Na
cultura africana, as pessoas de terceira idade foram sempre acariciadas pelos seus
familiares mais próximos como, os filhos, os netos, e outros. Nunca tiveram um
outro destino senão o lar familiar. Os velhos em África são tidos como o
baluarte da sabedoria, os exímios conselheiros porque são os conservadores das
experiências do passado que permitem melhor viver o presente e perspectivar o
futuro.
Numa altura em que o hospital ainda não era
uma realidade em África, por exemplo são eles que indicavam as receitas terapêuticas.
Por isso, em alguns círculos são considerados as «bibliotecas vivas. Deste modo,
em África quando morre um velho, desaparece uma biblioteca. Ademais, o poder
dos velhos se localizava em três razões essenciais: as razões políticas e
religiosos, económicas e socioculturais. A nível político, os mais velhos eram
a fonte de legitimidade do poder político por causa da sua ligação aos
antepassados. Só para recordar que em África, tradicionalmente, o poder é de
tipo hereditário.
Por
outro lado, também os mais velhos têm poder na dimensão religiosa, porque são
eles que estabelecem o elo de ligação entre os vivos e os mortos. Em casos de
doenças complicadas da família, são chamados para intervirem como intercessores
aos espíritos dos antepassados. Porque existe em África a crença de ligação
entre os vivos e os mortos. O lugar dos velhos é também determinado pelas
soluções económicas que eles podem proporcionar. Em caso por exemplo de uma catástrofe
natural, como seca ou outras, é o mais velho capaz de identificar os parentes
de localidades longínquas que se pode solidarizar com esta comunidade. Só o
velho conhece esses parentes, os aliados com possibilidades de solucionar
problemas desta natureza.
1.2.6- Violência sobre a Criança
A
violência contra as crianças não é um dado novo para a história da humanidade.
No passado, praticaram-se actos que no contexto do juízo moral daquelas
sociedades era considerado uma atitude aceitável, mas que á luz dos
conhecimentos actuais e na visão moral das sociedades hodiernas são
considerados actos violentos.
Assim,
por exemplo, na antiga Grécia o infanticídio foi um recurso socialmente aceite
para resolver o problema dos recém-nascidos portadores de defeitos físicos que
a sociedade não tolerava, de tal forma valorizava a força física e a perfeição
do corpo humano. (Da Silva, 2001:286) Deste modo, pode-se afirmar que existe,
pois, uma tradição histórica de violência, ainda que não generalizada, sobre as
crianças e de tolerância sociocultural relativamente a ela. Esta tolerância da
sociedade foi, em parte, responsável pelo prolongamento do sofrimento das
crianças, e pelo reconhecimento e descoberta dos abusos infligidos a crianças.
E, esta tradição de violência contra a criança
perdurou algum período de tempo, de modo que, de acordo com Isabel Dias só em
1962, com a publicação do artigo «The Battered Child Syndrome» de C. Henry
Kempe e seus colaboradores, é que os abusos cometidos sobre as crianças pelos
seus próprios pais foram reconhecidos como um problema social quer pela comunidade
científica, quer pelo público em geral.
Por outro lado, a violência sobre as crianças
durante muito tempo ficou unicamente associada a agressão física. Entretanto,
nos últimos tempos costuma classificar-se as formas de violência sobre a
criança fundamentalmente em violência por omissão e por acção. Estas formas
integram manifestações de violência designadamente: abuso sexual, o incesto, negligência,
abuso emocional ou psicológico e o próprio abuso físico, que normalmente resulta
de castigos que os adultos impõem as crianças, como compensação de uma falta á norma
no seu comportamento. São estas entre outras, as formas de violência sobre as crianças
mais visíveis na sociedade angolana.
O castigo físico é uma prática regular entre as
famílias Benguelenses, pois, os pais acreditam que por este meio pode-se tornar
e manter a criança disciplinada. Assim, os pais batem as crianças com a
intenção de educar, mas o desconhecimento das zonas vitais no corpo da criança,
faz com que frequentemente estes castigos terminem em tragédia. Para além de
que, estas agressões podem deixar lesões muito graves na criança que podem fazê-la
deficiente. Tudo isto sugere concluir que a agressão física não é o melhor
método pedagógico. Mas, pode adoptar-se como melhor método, o diálogo, e quanto
muito, a privação da criança àquilo que lhe é de maior interesse e que mais lhe
agrada. Pois, o castigo físico apesar de, do ponto de vista histórico parecer
normal, mas não é o método mais aconselhado pelos pedagogos, já que não só, não
raras vezes tem terminado em tragédia e provocado lesões indeléveis na criança,
como também, pode tornar a criança reincidente, tornando-se deste modo
indiferente ao castigo físico. Entretanto, este acto, o castigo físico, foi
sempre tido como uma medida disciplinar e não como um acto de violência.
Na verdade, olhando para o passado da cultura de
Benguela, a criança sempre foi considerada uma pérola. Como em África um casal
sem filhos é tido como vivendo uma maldição, então o filho é tido como o melhor
sinal de sucesso de um matrimónio. “O homem e a mulher só adquirem plenitude
social e religiosa pela sua fecundidade, já que isso lhes outorga um novo
estatuto e prova a maturidade pessoal e a benevolência dos antepassados.
1.2.7- Adolescência
Estudos evidenciam que a adolescência corresponde a
um fenómeno cujo elemento psicológico do processo é constantemente determinado,
modificado e influenciado pela sociedade (KALINA, 1999). Ela corresponde a um
período de descobertas dos próprios limites, de questionamentos dos valores e
normas familiares e de intensa adesão aos costumes do grupo de amigos. É um
tempo de rupturas e aprendizados, uma etapa caracterizada pela necessidade de
integração social, pela busca da auto-afirmação e da independência individual e
pela definição da identidade sexual.
Apesar de a adolescência ser considerada por muitos
como um fenómeno universal, ou seja, que acontece em todos os povos e em todos
os lugares, o início e a duração deste período evolutivo variam de acordo com a
sociedade, a cultura e as épocas, ou seja, esta fase evolutiva apresenta
características específicas dependendo do ambiente sociocultural e económico no
qual o indivíduo está inserido.
Entretanto, o conceito de adolescência, tal como
conhecemos hoje, é uma construção recente do ponto de vista sócio-histórico.
Admite-se, em geral, que essa fase do desenvolvimento humano tem início a
partir das mudanças físicas que ocorrem com os indivíduos no começo da puberdade.
Neste sentido, torna-se importante pontuar que puberdade e adolescência, apesar
de estarem directamente relacionadas, correspondem a dois fenómenos
específicos, ou seja, enquanto a puberdade envolve transformações biológicas
inevitáveis, a adolescência refere-se aos componentes psicológicos e sociais
que estão directamente relacionados aos processos de mudança física gerados
neste período.
É necessário ressaltar ainda que o processo de
adolescência não afecta apenas os indivíduos que estão passando por este
período, mas também as pessoas que convivem directamente com os mesmos,
principalmente a família. Isso porque a adolescência dos filhos tem influência
directa no funcionamento familiar, constituindo-se, portanto, como um processo
difícil e doloroso tanto para os adolescentes quanto para seus pais, uma vez
que a família não é constituída pela simples soma de seus membros, mas um
sistema formado pelo conjunto de relações interdependentes no qual a
modificação de um elemento induz a do restante, transformando todo o sistema,
que passa de um estado para outro.
1.2.7.1- Dos maus-tratos físicos e psicológicos sofridos pelo menor ou jovem
Os maus-tratos físicos são aqueles infligidos aos
menores, e em que as lesões geradas pelos mesmos foram, ou são, causadas com a
clara intenção de os magoar, a partir de uma acção ou omissão dos progenitores
e/ou responsáveis que possuam a guarda do menor, não se coibindo de as
maltratar.
Por outro lado, e relativamente aos maus-tratos
psicológicos, três diferentes modos de actuação por parte dos pais ou tutores,
relativamente aos menores, no que se refere a esta problemática familiar, a
saber:
1)
Deixam-nos estarrecidos, agredindo-os oralmente, oprimindo-os e
atemorizando-os, gerando-lhes a crença de que o mundo é demasiado perigoso;
2)
Sujeitam-nos a viver em meios perniciosos;
3) Submetem-nos a modelos e papéis negativos e
limitadores, fomentadores de uma personalidade rígida, auto-destruidora,
violenta e anti-social.
Distingue entre maus-tratos emocionais e psicológicos,
defendendo que os abusos emocionais causam um fraco desenvolvimento emocional e
mental na criança e os psicológicos afectam capacidades cognitivas como a
memória, a inteligência e a capacidade de concentração.
Neste sentido, não nos restam dúvidas de que os
abusos emocionais e psicológicos que as crianças/jovens sofrem ao longo das
suas vidas, principalmente no seio familiar, provocam traumas que influenciam
negativamente a sua auto-estima e o modo como estes lidarão com terceiros em
sociedade. Como já referimos, as ofensas são fomentadas pelos pais ou
responsáveis quando, ao invés de prestarem os cuidados necessários às crianças,
usam uma linguagem hostil, baseada no medo e na intenção de expor o menor/jovem
ao ridículo e ao abandono, demonstrando uma ausência de valores que satisfaçam
as reais carências pessoais e emocionais dos menores/jovens.
1.3- Os Dois Grandes Dilemas Do Homem
Para compreender as acções de violência implica
decifrar o que pensa, o que significa e, principalmente, como a sociedade representa
a violência. As representações sociais permitem que o sujeito se oriente em seu
quotidiano e, de certo modo, realize suas acções e verbalizações.
Conforme apontado nas primeiras páginas deste
capítulo, a violência enquanto fenómeno sócio histórico e cultural, de certo
modo, reveste-se, no senso comum, de uma falsa percepção e naturalização das acções
agressivas e violentas. É preciso mudar representações sociais para que se
possam transformar práticas e concepções pessoais. Entretanto, qualquer mudança
social depende de mudanças pessoais, evidenciando a dinâmica individual e
social, isto é, a relação dialéctica que se estabelece na formação do
pensamento, destacando como as relações dinâmicas do quotidiano e das interacções
sociais, de modo significativo e activo, formam pensamentos e configuram representações
sociais de cada indivíduo.
Acções, por vezes violentas, de pais ou de outros
familiares dirigidas às crianças e adolescentes, antigamente, em geral, eram
justificadas como medida disciplinar, como forma de garantir a obediência e o
respeito a adultos e a autoridade paterna. A construção de um novo saber sobre
a Violência infanto-juvenil! Se evidencia recentemente.
Identifica-se a mudança na compreensão do conceito
de violência, infância e a magnitude de suas consequências no quotidiano das
famílias e no desenvolvimento de crianças e adolescentes. É central a questão
de que o surgimento da psicologia, da pedagogia e melhor capacitação de
legisladores e da medicina foi crucial para um novo despertar para o problema,
provocando a ampliação da visão sobre o tema.
Surge a importância da capacitação de profissionais
que se envolvem com o tema para uma melhor compreensão e o conhecimento da
magnitude do problema, evidenciando a vontade de mudança de prática e o como
fazer a partir dos novos conhecimentos construídos, assim como a relevância de
assumir a perspectiva multiplicadora e um novo olhar sobre a prática
profissional.
Novos sentimentos são evocados no processo de
capacitação dos atores da Violência Infanto-Juvenil; nessa categoria,
evidencia-se a perspectiva afectiva e a atitude com relação ao tema - aspecto
fundamental para se provocar a mudança de representações pessoais e sociais.
As representações sociais actuam sob três dimensões:
do discurso da prática e da atitude que envolve a dimensão afectiva emocional,
conforme compreendido em Moscovici (1978), salienta as três dimensões que
explicam o carácter social das representações. A atitude versa sobre a
orientação, favorável ou desfavorável, frente ao objecto da representação
Social, é a tomada de posição. Permite o destaque da representação. A
Informação (dimensão ou conceito) se refere à organização dos conhecimentos que
o grupo tem acerca do objecto social ou fenómeno, o conhecimento prévio. E, por
fim, o campo de representação ou a imagem. Essa dimensão remete à ideia de
imagem, de modelo social, objecto de representação.
Na última categoria identificada nos dados,
percebe-se a importância do processo de capacitação na mudança de
comportamento. No contexto da aprendizagem sistematizada sobre a temática, cada
pessoa pode apreender novas informações e, mais que tudo, como se trata de um
processo de relações interpessoais, é possível identificar o que precisa ser
mudado, como e porque, identificando representações sociais evocadas de
estereótipos e normas culturais que ferem os direitos humanos.
Quanto ao processo de capacitação, fica clara a
importância do reconhecimento dos factores que envolvem a temática da violência
contra crianças e adolescentes, bem como um momento de reflexão e marco para a
mudança. Considerando dados identificados e a discussão realizada, é preciso
salientar que, na construção das representações sociais, o sujeito não faz uma
cópia da realidade, mas sim uma reconstrução dessa realidade, em função do seu
conteúdo interno, elaborado historicamente.
Sendo assim, para as mudanças sociais,
principalmente as que se referem à questão da violência, é fundamental o
desenvolvimento de políticas de capacitação de profissionais que actuam directamente
com as famílias, com crianças e adolescentes, na área da educação ou da saúde.
Para uma acção de intervenção na erradicação da violência e, principalmente, da
Violência Infanto-Juvenil, é importante identificar sua origem, as
consequências no quotidiano das famílias, das crianças, dos estudantes; é
preciso identificar as representações sociais, pois estas podem ser um valioso
instrumento de diagnóstico psicossocial e das relações inter-grupais.
A violência doméstica constitui um grave problema em
Angola, com vastas implicações sociais, educacionais, económicas e
psicológicas. Na verdade, e como teremos oportunidade de verificar mais
adiante, as situações de violência doméstica e maus-tratos no seio da família
conduzem frequentemente ao abandono dos menores da casa dos pais ou dos tios,
tornando-os especialmente vulneráveis à influência de terceiros já pertencentes
ao mundo da delinquência. Além disso, a necessidade premente de sobreviver
torna o ingresso destes no mundo do crime uma solução fácil para a satisfação
das suas necessidades imediatas.
Legitimada ora por dogmas religiosos e políticos,
ora pela ideologia patriarcal, a violência doméstica é um fenómeno de longa
data, que faz parte integrante da história da família das sociedades ocidentais
e de muitas outras do globo (Gelles, 1993:1). Nestas sociedades, em diversas
épocas histórico-sociais, as crianças têm sido vítimas de maus tratos e de
inúmeras agressões. Tais práticas encontram-se imbuídas, na maior parte das
vezes, no pressuposto de que são métodos indispensáveis para a sua educação. A
tolerância sociocultural relativamente à violência infligida sobre as crianças
está na origem do seu reconhecimento tardio como objecto de investigação e de
intervenção legal. O caso de Mary Ellen, em 1874, criança adoptada que sofreu
graves abusos pela família de acolhimento, marcou o despertar da consciência
pública e do sistema legal para as inúmeras agressões que as crianças são
vítimas em contexto familiar.
O despertar dos profissionais e da comunidade
científica e pública em geral, para este fenómeno, veio beneficiar, no final da
década de 60 e início dos anos 70, do século passado, o processo de
reconhecimento de outras formas de violência na família, nomeadamente a que é
praticada contra as mulheres. A identificação da “síndroma da mulher batida”; a
publicação em 1974, em Inglaterra, da obra de Erin Pizzey, Scream quitly or the
neighbors will hear; a acção do movimento feminista, a par de tantas outras
iniciativas, chamou a atenção para as inúmeras formas de violência e opressão
vividas pelas mulheres nos seus próprios lares. Nos anos 80, o interesse
público, legislativo, científico e profissional, volta-se para o abuso de
idosos. Apesar da crença de que existia uma espécie de Golden Age para a
terceira idade nas nossas sociedades, o mau trato físico, psicológico, verbal,
emocional, financeiro e a negligência a que os idosos podem estar sujeitos, fez
com que rapidamente os profissionais de saúde e das agências legais e de
serviço social se apropriassem deste fenómeno (Dias, 2004a).
1.4- Principais Causas Da Violência Doméstica em Angola
Em Angola, são vários os factores que presidem ao
fenómeno da violência doméstica: a pobreza; a falta de diálogo no seio
familiar; o consumo de álcool e de drogas, que frequentemente provém da
violência doméstica ou nela resulta; e a violência transferida pelos
ex-combatentes para o seio familiar, frequentemente num quadro de stress pós-traumático,
associado a importantes dificuldades de integração na sociedade do pós-guerra.
Com efeito, segundo Meitjes (2002:4), citado por
Gabriela das Dores Tyimboto , a evidência confirma que a violência de género
que as mulheres vivem em tempos de guerra aumenta quando o conflito termina.
Com efeito, a realidade do conflito bélico era a única que muitos antigos
combatentes conheciam. Ora, encontrando-se o país pacificado há apenas 13 anos,
e dadas as profundas sequelas sociais, psicológicas e económicas resultantes da
guerra, ainda bem patentes na sociedade angolana, facilmente podemos
observá-las sob a forma de violência doméstica.
Avelino Walile (2012) acrescenta outras razões para
fenómeno, quase endémico na sociedade angolana: a desagregação da família
tradicional, desestruturação socioeconómica das famílias, a desorientação
cultural e axiológica - deturpação da escala de valores, factores que diz serem
consequência do conflito armado que o país viveu durante cerca de três décadas.
O investigador identifica ainda outros factores resultantes da dinâmica social
como, a modernização da vida social, a emancipação da mulher - sua promoção
social e profissional, a influência dos meios de comunicação social e o
intercâmbio cultural com vários povos de outras culturas, e ainda outros, como
os desajustes de carácter educacional que afecta o pensar e o carácter das
novas gerações.
Ciente do problema, o Estado angolano parece estar
investido na criação de mecanismos tendentes à sua atenuação. Aliás, segundo o
Jornal de Angola, todos os dias decorrem em Angola acções que visam mobilizarem
as comunidades contra a violência doméstica.
1.5- Os Direitos E Os Violadores
Actualmente há um forte aparato jurídico a nível
mundial para assegurar o direito das crianças e dos adolescentes. O Estatuto da
Criança e do Adolescente é um importante instrumento para garantia da
exigibilidade desses direitos, além de que a UNICEF trouxe um grande avanço:
abriu um espaço para denúncia e ressarcimento dos factos que violam os direitos
de criança e adolescentes.
1.5.1- As Principais Violações
Movimentos que colocavam a criança como sujeitam de
direito, de acordo com a doutrina de protecção integral, desenvolvida pela ONU.
Logo passam a eclodir mobilizações da sociedade e de alguns sectores do Estado
que levaram à Assembleia Constituinte de 1987 uma proposta que considerava a
criança e o adolescente como sujeitos de direitos. Esses direitos vão ser efectivamente
legalizados na década de 90, com a promulgação do Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA), Lei 8.069 de 13 de Julho de 1990.
Apesar de toda legislação jurídica para garantia dos
direitos da criança e do adolescente, estes ainda sofrem bastante com a
violência. Esta chega de diversas formas para essa parcela populacional. Nesse
sentido o UNICEF (1998) caracteriza essas formas. Entre estas está a v/Y/mação
(quando a criança ou adolescente é alvo das desigualdades da estrutura social,
como: desregulamentação dos direitos à educação, moradia, saúde) e vitimização
(quando são alvo de violência directa, com danos imediatos como violência física;
sexual).
1.5.2- Género, Dominação E Poder
Produto de uma construção histórica, a violência
contra a mulher relaciona-se estritamente às discussões sobre gênero, relações
de poder, classes, etnias, e vem, ao longo dos anos, diante das transformações
sociais, mondando-se às experiências vividas por cada geração. Para
Nascimento1, as relações pautadas na subordinação, exploração e dominação têm
base manifestamente cultural e ocorrem nas mais variadas esferas de relacionamento,
é possível percebê-las através das nuances históricas peia exploração dos
negros e índios pelos brancos, subordinação da classe operária em face da classe
dominante, bem como da dominação dos homens sobre as mulheres.
Ante essas
relações de poder que punham a figura feminina em uma situação de
vulnerabilidade e inferioridade, é que iniciaram os primeiros movimentos em
defesa da mulher, mais precisamente nos anos 80, do século XX, quando surgiram
as noções teóricas iniciais sobre desigualdade de gênero. Os constantes estudos
desenvolvidos nas academias e peia Militância Feminista da época enfatizavam
que não eram as diferenças biológicas entre mulheres e homens que fomentavam a violência
de gênero contra a mulher, mas os papéis que cada um deles ocupava em uma
sociedade de cultura essencialmente patriarcal.
As diferenças que acarretam a violência de gênero
têm sua concepção no arcabouço da história da humanidade, em que os homens
detinham o poder sobre vida e morte dos membros de sua família, e a autoridade
das mulheres era comparada à das crianças. Perpassando peia idade Média,
Moderna e Contemporânea não se concretizou qualquer deslinde para o fim do
monopólio masculino sobre a mulher, a qual continuava a ser responsabilizada
pelas grandes tragédias da história e, por esse motivo, tinha a obrigação morai
de permanecer obediente e submissa aos desejos daqueles que detinham, inclusive,
a sua posse. A mulher não passava de uma propriedade, e, nem mesmo os efervescentes ideais
de Liberdade, igualdade e Fraternidade da Revolução Francesa foram capazes de
desmistificar esse estigma.
Desde a infância, enquanto os meninos são educados
para o uso da força física, valorização da agressividade, acções de dominação e
realização, ainda precoce, de sua vida sexual, as meninas são conduzidas peio
caminho da submissão, passividade e sentimentalismo, a sua valorização está directamente
ligada à feminilidade, dependência e capacidade de sedução. Por ser
acontecimento corriqueiro e já banalizado por grande parte da sociedade, a
frequência das práticas de violência de gênero ganhou significativa proporção,
isto porque aqueles que não a praticam entendem-na como acontecimento trivial e
admissível.
1.5.3- Violência E Desigualdade De Género
A identidade de gênero forma-se a partir do
sentimento e convicção que se tem de pertencer a um sexo, sendo, pois, uma
construção social feita a partir do biológico. Neste processo, o sexo e os
aspectos biológicos ganham significados sociais decorrentes das possibilidades
físicas e sociais de homens e mulheres, delimitando suas características e espaços
onde podem actuar. Assim, são estabelecidas as desigualdades entre os sexos,
sendo vistas como normais e fruto da natureza de cada um deles.
É a partir deste processo sociocultural de
construção da identidade, tanto masculina, quanto feminina, que ao menino é
ensinado a não maternal, não exteriorizar seus sentimentos, fraquezas e
sensibilidade, a ser diferente da mãe e espelhar-se no pai, provedor, seguro e justiceiro;
em contrapartida, à menina acontece o oposto, ela deve identificar-se com a mãe
e com as características definidas como femininas: docilidade, dependência, insegurança,
entre outras (PASSOS, 1999).
Em função desta prática, tem sido reservado à mulher
o espaço doméstico, sob a justificativa de sua capacidade natural de ser mãe.
Assim, o fenómeno da maternidade sofre uma elaboração social, favorecendo a
crença de que cabe à mulher o cuidado e a socialização dos filhos. A delegação
desta função a outra pessoa só é verdadeiramente legitimada quando a mulher
precisar garantir o sustento da casa ou complementar o salário do marido.
Nas classes dominantes, a delegação desta função não
carece da legitimação da necessidade de trabalhar, porém, mesmo nesta condição,
a mulher não está isenta da responsabilidade de orientar os filhos e
supervisionar o trabalho doméstico. Assim, tais papéis vão se inscrevendo na
natureza feminina. Deste modo, o labor profissional, realizado em concomitância
com o doméstico, impõe às mulheres uma dupla e injusta jornada de trabalho.
As situações de violência contra a mulher resultam,
principalmente, da relação hierárquica estabelecida entre os sexos,
sacramentada ao longo da história pela diferença de papéis instituídos
socialmente a homens e mulheres, fruto da educação diferenciada. Assim, o processo
de fabricação de machos e fêmeas, desenvolve-se por meio da escola, família, igreja,
amigos, vizinhança e veículos de comunicação em massa. Sendo assim, aos homens,
de maneira geral, são atribuídas qualidades referentes ao espaço público,
domínio e agressividade. Já às mulheres foi dada a insígnia de sexo frágil,
pelo fato de serem mais expressivas (afectivas, sensíveis), traços que se
contrapõem aos masculinos e, por isso mesmo, não são tão valorizados na
sociedade (AZEVEDO, 1985).
As relações estabelecidas entre homens e mulheres
são, quase sempre, de poder deles sobre elas, pois a ideologia dominante tem
papel de difundir e reafirmar a supremacia masculina, em detrimento à correlata
inferioridade feminina. Desta forma, quando a mulher, em geral, é o pólo
dominado desta relação, não aceita como natural o lugar e o papel a ela
impostos pela sociedade, os homens recorrem a artifícios mais ou menos sutil
como a violência simbólica (moral e ou psicológica) para fazer valer suas
vontades, e a violência física se manifesta nos espaços lacunares, em que a idealização
da violência simbólica não se faz garantir.
Cabe, neste momento, salientar a importância da
compreensão do processo de codificação da mulher como resultante, inclusive, do
modelo tradicional de família patriarcal, formado a partir de uma
hierarquização de relações intersectais e interoperacionais, que exige a
submissão e obediência da mulher à figura masculina, de quem é propriedade1 com
direito de exclusividade. O sistema familiar patriarcal é, portanto, uma versão
institucionalizada da ideologia machista enquanto ideologia de sexo. A
identidade de uma mulher vítima de violência doméstica é, comummente, fruto
deste padrão familiar de subordinação e não questionamento das imposições
masculinas. Apesar de constatarmos, actualmente, profundas transformações na
estrutura e dinâmica da família, prevalece ainda um modelo familiar
caracterizado pela autoridade paterna e, portanto, pela submissão dos filhos e
da mulher a essa autoridade.
Principalmente na classe trabalhadora, o respeito
(ou medo) ao marido é um valor cultural sedimentado. Questionar essa realidade
parece ir contra uma estrutura de pensamento de conteúdo religioso, moral, económico,
psicológico e social. Discutir sobre a submissão da mulher em relação ao homem,
significa desarticular uma estrutura que embasa crenças e conceitos antigos de
dominação.
Segundo Cardoso (1997 apud MENEZES, 2000), estar
inserido em um ambiente familiar no qual, constantemente, os pais são
agressivos entre si, ou mesmo com os filhos, favorece a uma concepção
naturalizada da violência. São mulheres que cresceram vendo o pai bater na mãe,
esta bater nos filhos, o irmão mais velho bater nos mais novos, estes nos colegas,
reproduzindo um ciclo constante de violência. Desta forma, o apanhar passa a
não simbolizar desamor, mas sim uma forma de se estruturar como pessoa, em que
o subjugar-se ao outro é um modelo de relação aprendido na infância.
Para Cardoso (1997 apud MENEZES, 2000, p.128): Sofrer
violência na infância torna as pessoas inseguras, com baixa auto-estima, com
ausência de senso crítico sobre a violência e dificuldades de estabelecer relações
positivas. Essas consequências repercutem na escolha que a mulher fará de seu
futuro marido, bem como na sua reacção frente à violência. Os historiadores
relatam que, desde a antiguidade, a mulher, enquanto criança, era propriedade
do pai; depois de casada, passava a pertencer ao marido (OMENA, 1989).
1.6 – A violência Doméstica, um paradoxo da Família Moderna
A violência doméstica constitui um paradoxo na
família moderna, porque coexistem na família a dimensão afectiva e a dimensão
conflitual. O que se pretende demonstrar aqui é a coexistência destas duas
dimensões, um contra-senso que surpreende a grosso modo a sociedade, mas com a
qual as famílias convivem, o que não seria de esperar, pois o amor é sempre
oposição de ódio. O paradoxo reside, então, numa família moderna que dá de si a
imagem de um lugar de sujeição e de exercício da violência sobre os seus
membros, nomeadamente sobre as crianças, as mulheres, os idosos e, inclusive,
os homens. Apesar de a violência na família ter existido também na família
tradicional mas na sociedade moderna assume características específicas. Trata-se
de um fenómeno que, paradoxalmente, se alimenta, entre outros factores, da natureza
privada e íntima da família moderna. Assim, a família, ao resguardar-se do
olhar da comunidade criou, simultaneamente para casal se comportar
romanticamente e para a emergência de situações de opressão e de violência.
Esta constitui uma das suas maiores contradições, na medida em que, ao emergir
como lugar de autenticidade, é também na família que, efectivamente, as
crianças, as mulheres e os idosos são vítimas preferenciais de violência”.
Na realidade, os elementos integrantes das famílias
estão unidos por amor. Todas as suas reacções e acções, espera-se estarem
envolvidos deste sentimento. Mas, o que é facto é que “a violência na família
pode ocorrer entre qualquer dos seus membros, nomeadamente entre os cônjuges,
entre pais e filhos, entre avós e netos, entre irmãos, entre filhos adultos e
pais idosos. Todas essas pessoas estão ligadas por laços de intimidade e de
grande proximidade. Partilham vários aspectos e sentem-se muito próximos um do outro.
(Dias, 2010: 56) E, neste sentido, as mulheres correm mais risco de violência
por parte de homens com quem têm relações familiares e íntimas do que por parte
de estranhos. (Giddens, 2010: 197) Deste modo, a família “para além de ser um
espaço de intimidade, de afectividade, de autenticidade e de solidariedade, ela
pode igualmente, constituir um espaço de opressão, de obrigação, de egoísmo,
gerando, assim, violência entre os seus membros
Refúgio da intimidade e da privacidade, o lar é
também um espaço particular de agressividade e violência (Pais, 2010: 86). Uma
das coisas que mais surpreende neste tema é essa contradição de amor e
violência que coexiste na vida de quem é maltratado. Várias mulheres, inclusive
se convertem em defensoras de seus carrascos. (Núñez, 2010:21) E a contradição
continua porque mesmo a nível dos sentimentos, aceita-se que, quem ama constrói
e não destrói. Quem ama acolhe e protege sem prejudicar. Quem ama respeita sem
exigir nada em troca. Quem ama aceita que o outro pense sem reservas. Quem ama
entende que não é completo sem o outro.
1.6.1- Consequências Físicas E Psicológicas Da Violência Doméstica Para A Saúde Da Mulher
A Organização Mundial de Saúde (OMS) reconhece a
violência doméstica contra a mulher como uma questão de saúde pública, que afecta
negativamente a integridade física e emocional da vítima, seu senso de
segurança, configurada por círculo vicioso de idas e vindas aos serviços de
saúde e o consequente aumento com os gastos neste âmbito.
Cada tipo de violência gera, segundo Kashani e Allan
(1998), prejuízos nas esferas do desenvolvimento físico, cognitivo, social,
moral, emocional ou afetivo. As manifestações físicas da violência podem ser
agudas, como as inflamações, contusões, hematomas, ou crônicas, deixando
seqüelas para toda a vida, como as limitações no movimento motor, traumatismos,
a instalação de deficiências físicas, entre outras.
Os sintomas psicológicos frequentemente encontrados
em vítimas de violência doméstica são: insónia, pesadelos, falta de
concentração, irritabilidade, falta de apetite, e até o aparecimento de sérios
problemas mentais como a depressão, ansiedade, síndrome do pânico, estresse
pós-traumático, além de comportamentos auto-destrutivos, como o uso de álcool e
drogas, ou mesmo tentativas de suicídio. Objectivando compreender a interface
entre tais aspectos teóricos e sua realidade no âmbito social, iniciou-se a
segunda etapa desta pesquisa, caracterizada pela realização de 25 entrevistas
com mulheres vítimas de violência doméstica, de faixa etária entre 18 e 55
anos. Quanto à escolaridade destas mulheres, 84% não chegaram a concluir o
Ensino Médio. No tocante à situação conjugal, 72% já estavam separadas de seus
parceiros no momento da pesquisa.
Um percentual de 96% das entrevistadas relataram
sofrer algum tipo de consequência decorrente da situação de violência. Dentre
estas, o aumento da pressão arterial, dores no corpo, principalmente de cabeça,
e dificuldades para dormir, foram os sintomas físicos mais relatados,
correspondendo a um total de 66,6%. Em alguns casos, a presença de algum, ou
até mais de um, desses sintomas contribuiu para a procura de acompanhamento
médico. Um grande número de mulheres, que corresponde a um total de 41,6%,
relatou como principal consequência psicológica decorrente da violência
sofrida, o sentimento de tristeza, que influencia no cumprimento de suas actividades.
Muitas afirmaram sentir menos vontade de exercer seus afazeres diários, desejo
de chorar frequentemente, além de querer consumir bebidas alcoólicas mais do
que o habitual. Vivo triste, não me dá vontade de fazer nada. Antes eu vivia
arrumada. Estou em ponto de ter um derrame, tenho mais vontade de beber. (38
anos, 7ª série, 2 anos de convivência, separada).
Estados de ansiedade, estresse e agressividade
também foram mencionados por 16,6% das entrevistadas, que admitiram estar mais
nervosas e impacientes com amigos, familiares e até mesmo com os filhos. Fiquei
mais agressiva com meus colegas de trabalho, com meus irmãos, com meus pais,
porque eu achava que todos iam agir igual. (25 anos, 2º incompleto, 9 anos de convivência,
separada). A insegurança foi uma característica encontrada nas falas de 12,5%
das vítimas, uma vez que sentiam-se indefesas e acusadas, em função de não
terem a quem recorrer para obter um apoio nesta situação.
A violência psicológica compromete a saúde mental,
ao interferir na crença que a mulher possui sobre sua competência, isto é,
sobre a habilidade de utilizar adequadamente seus recursos para o cumprimento
das tarefas relevantes em sua vida. A mulher pode apresentar distúrbios na
habilidade de se comunicar com os outros, de reconhecer e comprometer-se, de
forma realista, com os desafios encontrados, além de desenvolver sentimento de
insegurança concernente às decisões a serem tomadas. Ocorrências expressivas de
alterações psíquicas podem surgir em função do trauma, entre elas, o estado de
choque, que ocorre imediatamente após a agressão, permanecendo por várias horas
ou dias.
Para
tentar suportar essa realidade, a mulher precisa deixar não somente de seus sentimentos,
mas também de sua vontade. Com isso, ela passa a desenvolver uma auto-percepção
de incapacidade, inutilidade e baixa auto-estima pela perda da valorização de
si mesma e do amor-próprio. Viver em um estado de constante medo foi uma
experiência relatada por 12,5% das mulheres entrevistadas, que, constantemente,
imaginam o momento em que seu parceiro poderá voltar a agredi-la, deixando, até
mesmo, de desfrutar de seus instantes de lazer, como sair com amigos e receber
familiares, pois tudo isto pode soar como provocação e consequente retorno às
agressões.
1.6.2- Factores Que Contribuem Para A Permanência Da Mulher Em Uma Relação Violenta
É comum o questionamento acerca das razões que levam
uma mulher a permanecer em uma relação violenta. Alguns estudos realizados,
dentre eles o do Ministério da Saúde (BRASIL, 2001), demonstram não haver uma
causa única, mas sim múltiplos factores que corroboram esta situação. É
imprescindível, entretanto, a tentativa de identificação dos principais
aspectos envolvidos neste processo, no intuito de compreender a dinâmica de uma
relação marcada pela violência.
Uma mulher pode permanecer durante anos vivenciando
uma relação que lhe traz dor e sofrimento, sem nunca prestar queixa das
agressões sofridas, ou mesmo, quando decide fazê-la, em alguns casos, é
convencida ou até mesmo coagida a desistir de levar seu intento adiante. No que
se refere a este aspecto, nesta pesquisa de campo, constatou-se que as vítimas permaneceram
em média de 2 a 5 anos no relacionamento. Observou-se também que a violência
acaba sendo protegida como um segredo, em que agressor e agredida fazem um pacto
de silêncio que o livra da punição. A mulher, então, passa a ser cúmplice das
agressões praticadas contra si mesma, como observa Dias (2006).
Em face de tal realidade, desenvolvem-se concepções
populares de que as mulheres gostam de apanhar, ou ainda de que algo fizeram
para merecerem isto. Esta ideia nega a complexidade do problema e atribui à
violência um carácter individual, oriundo de aspectos específicos da
personalidade feminina. Segundo Dias (2006) vários são os motivos pelos quais a
primeira agressão sofrida, geralmente, não é denunciada: a mulher pode
vivenciar um conflito, por não desejar separar-se do companheiro ou, mesmo que
ele seja preso, apenas pretende que cessem as agressões, procurando socorro,
somente quando já está cansada de apanhar e se sente impotente. Frequentemente,
as mulheres procuram justificar as atitudes do vitimizados, através de argumentos
como o ciúme e a protecção, que acreditam ser demonstrações de amor. Atribuem ainda
a factores externos, como o estresse, decorrente principalmente do trabalho,
das dificuldades financeiras e do cansaço. Também o álcool é um motivo alegado
pela grande maioria das vítimas, para explicar o comportamento agressivo de
seus parceiros.
Gregori (1993)
argumenta que o álcool estimula este tipo de comportamento dos homens, mas age apenas
como um catalisador de uma vontade pré-existente, havendo, portanto, uma
intenção em ferir a integridade física da mulher. Quando há o desejo de se
separar do marido, esta ideia vem sempre acompanhada por Sentimentos de culpa e
vergonha pela situação em que vive, por medo, impotência, debilidade, além dos
mitos sociais que afirmam o prazer da mulher em apanhar. A partir dos
depoimentos colectados, verificou-se que todas as mulheres, após tomada esta
decisão, ainda enfrentavam uma situação de instabilidade ocasionada por ameaças
de perder a casa, a guarda dos filhos e a realidade de sobreviver sozinha.
Desta maneira, elas só tomam a decisão quando não têm mais alternativas e não
suportam a dor. Ainda assim, muitas se mantêm em uma relação de dor para não
verem a família destruída, como relata Cardoso.
Outro elemento que impede a separação entre vítima e
agressor e contribui para o aumento do índice de violência é a falta de apoio
social, reflectido pelo escasso número de pessoas (parentes, amigos ou
vizinhos) ou entidades (igreja, instituições), aos quais a mulher pode confiar
o suficiente para relatar as agressões e acreditar que algo será feito para
evitar sua incidência. Quando a mulher tem uma boa relação com familiares e
amigos, permitindo-se contar-lhes sobre sua vida conjugal, suas casas passam a
ser uma possibilidade de refúgio. No entanto, quando isto não é possível,
devido à situação de isolamento provocada por seu parceiro, a única possibilidade
encontrada é recorrer às casas-abrigo, que funcionam para acolher mulheres em
situação de violência, mas que representam, para muitas, enfrentar um futuro
desconhecido (MILLER, 1999).
De acordo com as entrevistas realizadas, o factor
financeiro foi o mais destacado por 56% das mulheres, ao afirmarem depender
economicamente do companheiro. Algumas, pelo facto de estarem desempregadas e
terem medo de não conseguir sustentar a si mesmas e/ou a seus filhos; outras,
por receio de perderem suas residências, como confirmam o depoimento seguinte:
O que me faz permanecer nesta situação é que a casa
é minha. Eu trabalho para sustentar meu filho e a casa. Eu não posso sair da
minha casa com minhas filhas e viver de aluguer, ou então viver na rua para deixar
a casa para ele. Agora, deixar minha casa para ele, eu não vou deixar, porque
eu não tenho condições de viver de aluguer. (36 anos, 4ª série, 9 anos de
convivência, casada).
Como referido anteriormente, o carácter cíclico da
violência, caracterizado através de momentos alternados de agressões e afectos,
nutre uma esperança nas mulheres de que seu companheiro possa vir a se
arrepender de suas atitudes e restabelecer um ambiente familiar harmónico. Isto
foi evidenciado na fala de 16% das entrevistadas, que relataram continuar no relacionamento
por acreditarem em mudanças no comportamento do cônjuge.
Consoante Miller (1999), as ameaças de morte têm
sido outro artifício bastante utilizados pelos homens, como meio de aprisionar
suas companheiras. Eles utilizam-se do medo para impedir a desvinculação da
mulher a ele, e, sobretudo, o estabelecimento de um novo relacionamento afectivo.
O depoimento a seguir exemplifica o teor dos motivos alegados por 12% das
entrevistadas. O que me fez permanecer nesta situação foi porque gostava dele e
tinha medo, pois ele me vigiava. Chegava bêbado e me ameaçava, dizendo que se
eu não ficasse com ele também não ficaria com ninguém. (27 anos, 5ª série, 13
anos de convivência, separada).
Uma das entrevistadas afirmou não saber o motivo
pelo qual permaneceu no relacionamento. O que é coerente com o pensamento de
Miller (1999), ao afirmar que algumas mulheres sentem dificuldades em
identificar os motivos que as fazem permanecer em uma relação violenta. É comum
que as vítimas levem algum tempo para tomar consciência desta situação e
consigam perceber que os comportamentos violentos do companheiro não são casos
isolados de mal humor. O padrão do comportamento violento cria um estilo de
vida, em que a mulher, em meio a tantas agressões diárias, não consegue mais
distinguir um momento específico em que sofreu violência.
No caso da violência não explícita, ou seja, que não
deixa marcas, um dos factores que dificultam seu encaminhamento legal reside no
fato de não haver provas materiais, quiçá testemunhais, que possam validar a
situação, pois esta ocorre no espaço do lar, onde não há presença de outras
pessoas. Ademais, quando ocorre a agressão física, os agressores procuram atingir
regiões que não deixam marcas visíveis.
Objectiva criar mecanismos para coibir e punir a
violência doméstica, através de medidas como: proibir acordos, eliminar a
aplicação de cestas básicas como pena, além de criar Juízos Especiais com
competência Civil e Criminal. Desta forma, o juiz deverá adoptar medidas que
façam cessar a violência, afastando o agressor da vítima e, quando necessário, encaminhando
a mulher e os filhos a abrigos seguros, além de poder anular a venda de bens comuns.
A violência doméstica contra a mulher constitui um grave problema que carece
ser reconhecido e enfrentado, tanto pela sociedade como pelos órgãos
governamentais, através da criação de políticas públicas que contemplem sua
prevenção e combate, assim como o fortalecimento da rede de apoio à vítima. É
imperioso que este fenómeno não seja compreendido em nível individual e
privado, mas sim como uma questão de direitos humanos, pois, além de afrontar a
dignidade da pessoa humana, impede o desenvolvimento pleno da cidadania da
mulher.
Questionar a forma como a sociedade é estruturada e
organizada, através de relações desiguais de poder entre homens e mulheres,
significa desarticular os pilares de sustentação da violência contra a mulher.
A construção de papéis diferenciados é baseada em normas sociais e valores
morais arraigados no tempo, que atribuem à mulher uma posição de inferioridade
perante o homem, que utiliza-se da violência como recurso maior para fazer valer
sua supremacia. Salienta-se que o mito da mulher ser a única prejudicada pela
cultura machista deve ser revisto à luz da Psicologia. Caso contrário, esta
visão poderá conduzir a interpretações unilaterais e simplistas, atribuindo à
mulher a condição de única vítima da cultura. É imprescindível considerar o facto
de que o homem também sofre as consequências da rigidez destes papéis, na
medida em que é privado de viver mais plenamente suas potencialidades.
Daí a necessidade de buscar novas relações sociais,
não mais regidas pelo poder e dominação, e sim pela reciprocidade entre os
sexos, ratificando a igualdade da condição humana de ambos. As mulheres que
decidem romper um relacionamento violento também estão rompendo com uma série
de sonhos e expectativas em relação ao casamento e à família. Há perdas e
ganhos frente a esta decisão, que não devem ser ignorados pelos profissionais
de saúde. Reconhecê-las, implica poder trabalhá-las e, assim, fortalecer a
mulher no redireccionamento e estabelecimento de novos projectos de vida.
CAPÍTULO II - O PAPEL DOS AGENTES DE SOCIALIZAÇÃO ANTE A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
2.1 - Noção De Agentes De Socialização
A
pessoa ao nascer ainda não é capaz de comportamentos que lhe identifiquem com
uma cultura. Ao longo do tempo, a partir das experiências familiares e o do
meio envolvente começa a ganhar hábitos, costumes, formas de pensar, modos de
ser, enfim padrões de comportamentos próprios da cultura em que nasceu. Eis o
que se chama de socialização.
Quando
nasce, a criança é apenas um organismo biológico, preocupada com seu bem-estar físico.
Apesar de já trazer os genes necessários ao ser humano, a criança ao nascer é um
ser culturalmente em branco. À medida que toma contacto com o ambiente grupal que
o rodeia, a criança torna-se, rapidamente, num ser cultural. Efectivamente, a
criança vai tomando consciência do que lhe é exterior, repetindo e imitando
atitudes e comportamentos que descobre nos outros indivíduos, inicialmente aos
seus familiares.
Gradualmente,
a criança vai assimilando valores e normas, adoptando atitudes e comportamentos,
apreendendo técnicas e práticas, ultrapassando a sua fase biológica. Desta
feita, “a Socialização é um processo através do qual o indivíduo interioriza as
normas do seu meio sociocultural, se integra e adapta á sociedade
convertendo-se num membro da mesma e sendo capaz de desempenhar funções que
satisfaçam as suas expectativas. Portanto, é através da socialização que o
indivíduo se integra de forma harmoniosa no ambiente cultural de uma sociedade,
através de actividades, da imitação enfim, de outras acções de permitam a
assimilação e interiorização dos elementos materiais e espirituais da cultura
de uma determinada sociedade. Assim, pode-se dizer que o comportamento do homem
ganha o carácter cultural na relação com os outros homens em sociedade. “O
homem não se compreende sem os outros, sem a dimensão social que humaniza e
entre todos os possíveis, os que estão mais próximos, que mais permanecem á sua
volta, e que são também os que mais contribuem normalmente para o seu próprio
desenvolvimento e satisfação pessoal”.
As
instituições sociais que são responsáveis pela incalculável da cultura no
indivíduo, e por consequente que facilitam a socialização da pessoa chamam-se,
agentes de socialização. Pois, permitem o desenvolvimento do processo de
socialização. Entre eles, os mais importantes são: a família, a escola, e os
meios de comunicação social. (cf. Oliveira; Pais A estes
pode-se acrescentar a Igreja,
os grupos desportivos, o grupo de amigos, enfim, todas aquelas colectividades e
instituições sociais que permitem a socialização e a interiorização de valores
culturais de uma determinada sociedade.
2.2 – O Lugar Da Família E Da Escola
A
família é a base de formação do carácter de qualquer indivíduo. È a instituição
social que molda na primeira fase da vida o comportamento de qualquer
indivíduo. Grande parte da influência de comportamentos que a pessoa manifesta
recebeu da família. Pois, o indivíduo enquanto criança “vai aprendendo apenas
aquilo que os seus familiares realizam, no momento em que se encontra mais
permeável á aquisição da cultura. Esta permeabilidade ou abertura á aprendizagem
e assimilação de novos conhecimentos nos primeiros anos de vida da criança,
deve-se ao facto de a socialização se fazer por via afectiva, revestida, pois,
de forte componente emocional, sem que a criança tome consciência dela.
Assim, a família é uma instituição social básica,
formada por um grupo de parentesco bilateral. Ela constitui a célula, a
estrutura da sociedade. Por esta razão, não há sociedade sem famílias. Ademais,
ela é a escola das virtudes. Porque “ é no lar onde se aprende a aceitar e a perdoar,
a confiar em si mesmo, a interessar-se e a respeitar a vida, a partilhar e a
agir como um ser social e sociável. É na família que se aprende a ter civismo,
a ser um cidadão moralmente livre, mas que respeita a si e ao próximo.
Portanto,
se tivermos boas famílias teremos consequentemente boa sociedade. O que quer dizer
que, por um lado, os comportamentos violentos podem ser forjados na família ou
por outro lado, que a família pode contribuir com a sua influência positiva
para a formação de indivíduos com um carácter afável, que facilite a harmonia
social. Pois, “ é a família quem desenvolve na pessoa um sistema de valores,
atitudes, crenças, reportados aos aspectos mais importantes da vida: trabalho,
família, humanidade, sociedade, cultura, amizade, natureza, transcendência; de
forma definitiva é ela quem contribui decisivamente para criar um modo de
perceber a realidade física e social e um modo de se entender a si mesma.
Na
verdade, a influência da família na personalidade da criança é tão determinante,
de tal sorte que, por exemplo, uma criança que assiste diariamente a sua mãe ou
outro familiar a ser maltratado ou agredido terá mais probabilidade de no
futuro ser um potencial agressor. Por esta razão, os pais têm uma grande responsabilidade
de serem os ideais modelos para os seus filhos. Assim, definitivamente se pode
dizer que “ a família é um espaço onde se forjam os primeiros e definitivos
projectos de vida, onde se transmite um conhecimento que, mais do que
informação ou ciência, é sabedoria, porque nela se transferem conhecimentos que
pertencem às questões fundamentais da vida, entrelaçando o cognitivo e o
emocional, e sendo um produto genuíno da experiência vivida pelos mais velhos.
Desta
forma, o ser humano condiciona o seu desenvolvimento ao meio social, a criança humaniza-se
no meio social em contacto e interacção com os restantes, em contacto com os
mais próximos e, em especial, com os da família de origem, sendo com estes que
o indivíduo desenvolve os primeiros vínculos afectivos, dos quais dependerá em
grande parte o desenvolvimento adulto, quer afectivo, quer cognitivo ou social.
Assim, a família pode e deve através dos seus
mecanismos culturais, ao voltar a reconquistar o seu próprio espaço na educação
e preparação para a formação de novas famílias. Aqui o papel da família é
relevante não só no princípio da formação das famílias mas também ao longo do
seu desenvolvimento, desempenhando o papel de intermediária e de conselheira
perante as vicissitudes por onde as famílias podem passar. Mas na situação
actual, as famílias em Benguela nem sempre têm cumprido com esse papel. Porque
em primeiro lugar, os momentos de diálogo com os jovens são muito escassos.
Os pais têm perdido maior parte do seu tempo em
ocupações profissionais e não raras vezes em actividades propriamente de
satisfação das suas necessidades e interesses pondo as preocupações e tarefas
do lar em segundo plano. Em segundo lugar, os pais renunciaram o papel de
provedores sociais para os seus filhos, entregando essa tarefa a televisão,
através das novelas, aos filmes, a imitação da rua, enfim, abandonando a
orientação moral e social dos filhos a sorte do acaso. Em terceiro lugar, os
próprios filhos perderam a consideração e valorização da educação familiar,
vista por estes como um momento de opressão, de limitação da sua liberdade e a
orientação para os valores culturais como um retrocesso, um atraso na execução
dos seus projectos de vida
CAPÍTULO III – METODOLOGIA E A NATUREZA DA PESQUISA
3.1- Método
A metodologia que foi adoptada neste trabalho de
investigação científica classifico como bibliográfico, uma pesquisa bibliográfico
é aquela que os conteúdos são adquiridos a partir de manuais ou livros que
relatam sobre o assunto a ser investigada.
Não obstante a situação, embora de mínima dimensão,
foi feito levantamentos de dados através do método de entrevista, que me
permitiu fazer um enquadramento do tema a realidade vivida por diversas
pessoas.
3.2. Natureza da pesquisa
O presente trabalho foi desenvolvido por meio de
levantamento bibliográfico ou livros e em entrevista, no que concerne a
conceituação a constatação de actos de violência no território nacional.
O meu objectivo é trazer ao público conhecimentos
mais profundos já investigados por diversos autores mas que era de
desconhecimento de muitos. É preciso frisar que este trabalho é composto
grandemente com conteúdos encontrados em livros e com uma minoria adquirida a
partir de entrevista que levou-me a fazer uma pesquisa de campo.
CONCLUSÃO
Para finalizar este trabalho conclui-se que a
violência infligida na família sobre os seus membros coloca inúmeros desafios
aos diversos sistemas sociais, em particular, ao sistema jurídico-legal e
judicial. Apesar de se bater com um conjunto de mitos e pré-noções presentes no
imaginário colectivo, de forma geral, nas leis e nos tribunais, de forma
particular, a violência doméstica, tem obrigado os diversos profissionais a
enveredar por avenidas menos convencionais. Não é mais possível ignorar os
processos de mudança da família nas sociedades pós-industriais, nem o
reconhecimento das crianças, mulheres e idosos como cidadãos de pleno direito.
Homens e mulheres estão massivamente inseridos no
mercado de trabalho e procuram incessantemente a felicidade em várias relações
(monogamia serial). O casamento é menos durável e as crianças nascem com
frequência em famílias de facto e recompostas. São inúmeras as formas de
organização da vida em comum, o que reflecte, na nossa opinião, não a crise da
família, mas a vitalidade desta instituição fundamental. A insistência nos
estereótipos de género e no carácter mistificado da família moderna, isenta de
violência, impede-nos precisamente de dar resposta aos desafios e exigências
por ela colocados no presente século.
Independentemente
das limitações do conceito, principalmente porque enfatiza uma perspectiva
vitimista, é inegável que através dele foi possível fazer entrar em linha de
conta outros argumentos na análise da violência doméstica, que não apenas os
exclusivamente legais, tal como vimos no caso da figura jurídica da legítima
defesa (Shuller, 1994). No que concerne aos conceitos de “síndroma da criança
batida e de síndroma do idoso batido”, a sua utilização foi fundamental para
alertar a consciência pública para a gravidade do problema e desencadear um
conjunto de medidas legais e de política social.
Nos nossos dias, o desafio coloca-se ao nível da
elaboração de programas de prevenção (primária e secundária) e tratamento das
vítimas e dos maltratantes, que tenham em consideração os seus diferentes
contextos socioculturais. Coloca-se, ainda, no domínio da intervenção nas
famílias onde os abusos são praticados. Estes poderão ser dois dos reptos mais
exigentes para o sistema jurídico-legal e judicial ao longo do nosso século
devido, quer à diversidade dos contextos étnicos e socioeconómicos de
existência destas famílias, quer ao carácter persistente da ideologia
familialista nas sociedades ocidentais (Micklow, 1988).
De qualquer forma, uma sociedade que insiste em
tolerar o sofrimento infligido às crianças, mulheres, idosos e homens na
família mina o seu futuro. A intervenção é, por isso, essencial, sem contudo
violar e comprometer os direitos fundamentais.
SUGESTÕES
Com
efeito, e atendendo a esta relação entre o agressor e a vítima, que é essência
da violência doméstica, a gravidade da conduta e a censurabilidade do seu
praticante resultam claramente agravadas. Não se tem uma mera agressão, mas uma
fulgurante violação dos laços de afecto e traição da confiança da vítima. Não
se tem uma mera ofensa a algum bem, mas uma intolerável ameaça de destruição
(quando não de destruição efectiva) da dignidade da vítima, colocada numa
situação de dependência difícil de combater.
Sugiro
eu, que para uma mais adequada tomada de decisão sobre o apoio a fornecer às
vítimas é fundamental proceder a uma avaliação do impacto/danos (físicos,
psicológicos, sexuais, sociais, etc) causados pela violência doméstica continuada,
dos recursos e das capacidades que a vítima tem para tomar decisões e
concretizar autonomamente projectos alternativos à relação abusiva.
Postura na conversação
É
através da conversação que geralmente manifestamos o que somos e como somos.
Numa simples conversação é fácil detectar os defeitos e ausência ou
insuficiência de valores cívicos ou morais. Por isso, é de suma importância
cuidar da postura na conversação, daí a harmoniosa expressão: para um bom
entendedor, meia palavra basta. A palavra conjugada com a acção completa o ser.
Neste sentido, existem coisas a serem evitadas na
conversação e coisas a valorizar e praticar:
Atenção - Uma conversa resume-se em falar e ouvir. É
necessário saber ouvir com atenção o que os outros dizem. Educar as crianças a
estarem atentas é cultivar uma das mais importantes virtudes para a vida da
mesma, pois a atenção é um dos grandes factores de aprendizagem. Para a criança
reter bem uma informação para posterior interpretação e armazenamento na
memória, por longo tempo, é importante e fundamenta! o processo da atenção.
Quem é distraído raramente percebe o que se diz, tanto na saia, como em
conversa com amigos.
Monopólio da palavra - Não é correcto monopolizar a
palavra, pois há aqueles que não deixam outros falar, porque querem contar tudo
o que lhe ocorre.
Telemóvel - O telemóvel é um objecto pessoal e
privado. Não deve ser considerado como comum, pois isso tem trazido muitos
problemas entre casais. O telemóvel deve ser considerado na classe da roupa
interior, sapatos, etc, que são estritamente pessoais. Não se intrometa em
conversas telefónicas de outras pessoas e mantenha suas conversas privadas,
evitando conversar com a voz alta, de modo que todos se apercebam do que se
está a conversar.
BIBLIOGRAFIA
(2004a),
Violência na Família. Uma abordagem Sociológica, Porto, Edições Afrontamento.
(2004b), “A violência sobre as mulheres e os idosos”,
Psychologica.
FEIJÓ,
M. C.; ASSIS, S. G.. O contexto de exclusão social e de vulnerabilidades de
jovens infractores e de suas famílias. Estudos de Psicologia, 2004.
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J., 1964, art: OLIVEIRA, A. E., Educação tradicional em Angola, 2000, Leiria.
Bell,
J. (2008). Como realizar um Projecto de Investigação. (4 ª edição). Lisboa:
Gradiva.
(Original
publicado em 1993) Da silva, L. P. (2001). Acção social na área da Família.
Lisboa: Universidade aberta.
Dias,
I. (2010). Violência na família. Uma abordagem sociológica. Porto: Edições afrontamento.
SEGAGALEN,
Martine (1999), Sociologia da Família, Lisboa, Terramar.
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